“...SOPROU SOBRE ELES E DISSE: ’RECEBEI O ESPÍRITO SANTO’” (JO 20,22).
Pentecostes é uma festa eminentemente pascal. Sem a presença do
Espírito, a experiência pascal não teria sido possível. Ressurreição, ascensão, irrupção
do Espírito e missão eclesial aparecem aqui intimamente articuladas. Não são
momentos isolados, mas simultâneos, progressivos e dinamizadores na comunidade
dos(as) seguidores(as) de Jesus.
O Ressuscitado, através da eficácia do sopro do Espírito, reconstrói as
relações rompidas, afasta o medo, abre o horizonte da missão... Com a força do
Espírito, a vida se torna profecia de ressurreição.
O sopro incontrolável do vento revela a liberdade de
ação de quem é movido pelo Espírito. Como não se pode segurar, determinar o
rumo, exercer controle sobre o vento, o mesmo se dá com a pessoa que recebe o
sopro do Espírito. Sua capacidade de fazer o bem torna-se ilimitada. Nada a
detém quando se trata de demonstrar, com gestos concretos, o amor ao semelhante; esse amor que ela traz dentro de si permite-lhe
expressar, de maneira criativa, sua solidariedade e sua presença inspiradora.
Tudo, em sua vida, torna-se novo, pois o Espírito não lhe permite cair na
rotina e na inatividade, características de quem perdeu a razão de viver.
O Espírito que nos habita não é um Espírito de medo que recusaria a
novidade; é um Espírito que nos torna capazes de inventar, criar, decifrar,
abrir novos caminhos, a fim de permitir às mulheres e aos homens de hoje
encontrar e reconhecer o Cristo sempre vivo através dos seus discípulos.
A festa de Pentecostes é uma
ocasião privilegiada para nos aproximar do mistério do Espírito através de
imagens que tem muita relação com nossas experiências vitais.
Que sentimos quando parece que nos afogamos, porque nos falta ar, e de
repente podemos respirar a ar fresco a pleno pulmão? E quando temos muita sede
e alguém nos oferece água? Ou quando estamos muito cansados e alguém se
aproxima para nos ajudar e nos animar? Que sentimos quando uma pessoa está ao
nosso lado e nos ajuda nos momentos de enfermidade e de medo?
A palavra “Espírito” é um termo latino, e seu uso se generalizou. Em
hebraico se fala “ruah”, termo feminino, que indica vento,
ar, alento, vida, amplitude, espaço ilimitado... Tem conotações muito mais
ricas e vitais que o termo “espírito”. A totalidade de nosso ser está empapada
do Ruah de Deus.
O termo “ruah” evoca também o sopro do vento, a brisa fresca que traz a
chuva, considerada como uma benção. Evoca também o mistério e a presença de
Deus, similar ao vento, porque se nota sua presença, mas não se pode vê-lo.
A ação da “ruah” nos seres humanos refere-se, portanto ao alento de vida
de Deus que há em cada um, à abundância de Vida divina que está presente no
interior de cada homem e cada mulher e na história.
As angústias e os sofrimentos mais radicais do ser humano são acolhidos
e transformados pelo sopro do Espírito: um sopro vital
que possibilita a vitória da esperança contra o desespero,
da comunhão contra a solidão, da vida contra
a morte.
O Espírito é sopro, hálito, vento que gera vida, que
move, impulsiona e sopra onde quer. De onde vem e para onde vai não é fácil
dizer. No entanto, está presente, se faz sentir, age. Sopra, despoja, subverte,
sepa-ra, varre, empurra, levanta, expande, toca de leve... Aparecem e
permanecem os sinais da sua passagem.
É um vento leve, refrescante, novo, penetrante,
inovador, cambiante; um sopro sutil, interior, profundo; um sopro que não pode
ser detido, sufocado.
Ao mesmo tempo é um vento impetuoso, desafiador e perigoso, pois pode
conduzir a direções inimagináveis. Envolve, mas não invade. Interroga, mas não
condena. Arrasta, mas não constrange. Oferece, mas não impõe. Presente, vital,
essencial, livre, libertador. Pode ser acolhido e tudo torna-se novo.
Por isso, quem se deixa mover pelo Sopro sente sua
força e reconhece sua ação. E, sem perder o chão da realidade e da história,
aspira por algo mais alto, mais profundo, mais bonito e transcendente.
Quem se deixa mover pelo Espírito é imprevisível e não se deixa
enquadrar pelas idéias cristalizadas e nem se fecha em atitudes petrificadas.
Quem se deixa conduzir pelo Espírito não se contenta com a superficialidade e a
mediocridade: abre espaço para a força do “mais”. Deseja voar mais alto
e mergulhar o mais profundo, busca novidades, é dinâmico, muda de paradigmas e
desfruta do presente, sem se desconectar do passado e do futuro. Quem assim o
faz renasce sempre, a mudança é seu hábito de vida.
É preciso resgatar, no dinamismo do seguimento de Jesus, a força, a
beleza e a fecundidade da dimensão espiritual de todo ser
humano. Ao referir-nos à espiritualidade cristã, estamos situados
frente uma “vida segundo o Espírito” (Rom. 8,9), uma vida nascida, orientada e
alimentada pelo Espírito Santo; estamos, pois, frente à experiência original
que torna cristã uma pessoa: ser habitada pelo mesmo Espírito que habitou Jesus
de Nazaré.
Espiritualidade vem de
“spiritus” e tem a ver com respiração, um alento que vem de dentro, um
fogo e um calor, uma energia e força que brotam e sustentam o íntimo da pessoa
espiritual.
Espiritualidade é a
arte de respirar corretamente, cada vez de forma integral, atenta e
concentrada, a partir do âmago, da profundidade, mas também de maneira natural
e leve. Quem cultiva essa respiração integral, esse alento e fôlego do espírito
dentro de si, consegue caminhar mais longe, ir mais adiante, ser mais criativo
e intuitivo, não desanima ou esmorece quando muitos já estão com a língua de
fora.
Espiritualidade significa,
antes de mais nada, não perder o fôlego interior em qualquer circunstância da
nossa vida. Somos “pessoas espirituais” quando exercitamos tão bem a arte e o
alento do espírito que, mesmo nas situações mais difíceis da vida e do caminho,
não perdemos a energia, o fôlego, a consistência. A força do espírito nos
conduz sempre adiante.
Como “filhos e filhas do Vento” basta deixar-nos envolver pelo
Sopro e escutar aquela voz que habita a dimensão mais profunda da vida e que se
aninha nas cavidades mais secretas de nossa existência.
“Espiritual” é alguém que cultiva e cuida da respiração
interior do seu ser com o mesmo cuidado que tem o camponês quando
trabalha a terra e a plantação. Apenas aquelas pessoas que se mantêm próximas
ao chão, às raízes da vida, conseguem manter também esta postura totalmente
radical, a “humilitas” que vem de húmus, o chão escuro, úmido e fértil da
terra.
Esta radical humildade, que vem da proximidade do chão e da comunhão com
a terra, desperta piedade, respeito, cuidado, atenção, sensibilidade,
misericórdia e, sobretudo, coragem e compaixão.
Nesse sentido, a busca pela espiritualidade vem de
baixo, das raízes do humano, ela salta das profundezas da alma humana, não vem
de cima, do além. A busca da espiritualidade nasce do ímpeto interior do ser
humano por ser livre, por superar-se e poder crescer integralmente.
Espiritual é,
portanto, a pessoa humilde, que vive da força que vem das raízes, que tem suas
raízes fincadas profundamente no chão da vida, como uma árvore.
Para
meditar na oração
Deixe que o Sopro liberte seu corpo de todas as memórias negativas que o entulham, devolvendo ao seu espírito sua inocência, sua
disponibilidade, sua energia...
- Acolha simplesmente o Sopro em seu interior. Deixe
que o Espírito desça ao mais profundo de você mesmo.
- Acolha-o com gratidão, simplesmente expirando e inspirando. Por alguns
instantes, seja um com o Sopro.
- O Sopro que respira em você é o mesmo que respira em
todo o Universo.
- Deixe o Ser respirar em você, sendo inspirado e
expirado. Respire em Sua presença para o seu bem-estar e para o bem-estar de
todos. Viva conscientemente o Sopropresente em você!
Era o primeiro dia da semana. Ao anoitecer desse
dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo
das autoridades dos judeus, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: «A paz
esteja com vocês.» Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os
discípulos ficaram contentes por ver o Senhor.
Jesus disse de novo para eles: «A paz esteja com
vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês.» Tendo falado isso,
Jesus soprou sobre eles, dizendo: «Recebam o Espírito Santo. Os pecados
daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês
não perdoarem, não serão perdoados.»
Leitura do Evangelho de João 20,19-23 (Corresponde à
Solenidade de Pentecostes, ciclo B do Ano Litúrgico).
O comentário é de Ana Maria Casarotti, Missionária de
Cristo Ressuscitado.
Para o
Espírito não há barreiras
A Festa de Pentecostes, coração do Mistério Pascal, é a Festa do Espírito
Santo. Originariamente, era uma festa agrícola, na qual se agradecia a Deus
a colheita da cevada e do trigo. No século I tornou-se a festa histórica que
celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai e a constituição do Povo de Deus.
Nessa festa, eles renovavam os compromissos da Aliança com o Deus
Libertador que cuidava do seu Povo que havia saído do Egito, que caminhou pelo
deserto e fez aliança com ele através das tábulas da Lei.
No capítulo 2 do livro de Atos dos Apóstolos (primeira leitura deste
domingo) Lucassitua esta Festa neste dia como uma celebração da
nova Aliança que Deus faz com o novo povo de Deus animado pelo Espírito Santo.
Ele é a nova Lei que anima a vida dos crentes, das comunidades que iam
nascendo. O Espírito gera vida e está sempre presente no coração de cada uma e
cada um dos discípulos. Ilumina o caminho da Igreja nascente, e ilumina seu
caminhar, como havia dito Jesus: “O Espírito é que dá a vida, a carne não
serve para nada. As palavras que eu disse a vocês são espírito e vida.” (Jo
6,63).
Jesus tinha prometido aos discípulos e discípulas que não os deixaria
órfãos, porque ele voltaria. Também havia dito: “Quem aceita os meus
mandamentos e a eles obedece, esse é que me ama. E quem me ama, será amado por
meu Pai. Eu também o amarei e me manifestarei a ele”. Para compreender
suas palavras ele promete o Espírito Santo, “o Advogado que
o Pai vai enviar em meu nome, ele ensinará a vocês todas as coisas e fará vocês
lembrarem tudo o que eu lhes disse.” (cfr Jo 14).
O Espírito Santo é quem ajuda a compreender as palavras
de Jesus e a vida que o move a atuar com tanta liberdade. O Espírito é
entendimento, força, sabedoria, discernimento, mas, como disse Paulo aos
Coríntios, o Espírito é o mesmo.
No texto que lemos hoje, estamos no primeiro dia da semana. É o começo
de uma nova semana, mas já está anoitecendo. O dia está desaparecendo no
horizonte e a obscuridade começa a reinar: anoitece.
As dificuldades da perseguição e a crueldade da paixão vivida pelo
Mestre abatiam os discípulos e discípulas que ainda sofriam suas consequências.
Eles sabiam que Jesus estava ressuscitado, mas isso ainda não era uma alegria
completa. Não era fácil entender o que havia acontecido. Eles permanecem com as
portas fechadas: "estando fechadas as portas do lugar onde se achavam
os discípulos por medo das autoridades dos judeus".
Essas portas fechadas por medo convidam-nos a perguntar-nos: quais são
nossas portas fechadas?
Fechamos nossa interioridade, e nossa aparência oculta atitudes,
sofrimentos, nossa história, nossa origem?
Fechamos nossas comunidades às mudanças que traz o
Espírito, porque nos desestabiliza, nos faz mudar os projetos, nos tira da
nossa segurança?
Fechamos nossos ouvidos para não escutar sua voz? Tapamos nosso olhar
para não ver aquilo que nos compromete?
Obstruímos possíveis aberturas para que nenhum vento possa entrar e
esfriar nosso bem-estar?
Temos medo do quê? Pessoas, situações, experiências que não queremos
viver de novo? Reconhecemo-nos necessitados da força do Espírito e
ansiamos por sua presença?
Como a comunidade primitiva, precisamos do Espírito Santo,
Espírito que fortaleça, Espírito que nos renove desde nossa mais profunda
interioridade.
Apesar de estar com as portas fechadas, Jesus entra e o que oferece
primeiro aos discípulos, e também a cada um e cada uma de nós, é sua paz.
A paz do Consolo, a paz da sua presença que nos reúne num só
corpo. Uma paz que permanece em nós, serenando os conflitos interiores,
pessoais, comunitários ou culturais. Uma paz que não se conquista com a luta,
porque é a paz que oferece Jesus Ressuscitado pela força do seu Espírito que
sopra sobre nós e nos enche de sua presença:“Jesus soprou sobre eles,
dizendo: Recebam o Espírito Santo”.
Neste domingo, peçamos ao Espírito que sopre sobre cada um e
cada uma de nóspara renovar-nos por dentro. Que nos encha de sua paz para
que sejamos assim comunicadores de sua vida Ressuscitada, que desvende nossos
olhos, liberte nossa mente, abra nossos ouvidos e sejamos reconstruídos pela
sua Vida.
Por isso, neste domingo de Pentecostes, acolhamos
humildemente o Amor do Pai e do Filho que é o Espírito Santo, para colaborar
com a obra de Deus: “que todos sejam um, como tu Pai em mi e eu em Ti” (Jo 17,21).
Oração
Vem, Espírito Santo
Vem,
ou melhor, vamos:
Faze que nós vamos
aonde Tu nos levas.
Tu nunca Te ausentas,
ar que respiramos,
vento que acompanhas,
clima que aconchegas.
ou melhor, vamos:
Faze que nós vamos
aonde Tu nos levas.
Tu nunca Te ausentas,
ar que respiramos,
vento que acompanhas,
clima que aconchegas.
Vem, Para levar-nos
por esse Caminho,
o Caminho vivo,
que conduz ao Reino.
por esse Caminho,
o Caminho vivo,
que conduz ao Reino.
Vem,
para arrancar-nos,
numa ventania
de verdade e graça,
de tantas raízes
de mentira e medo
que nos escravizam.
Vem,
feito uma brisa, para arrancar-nos,
numa ventania
de verdade e graça,
de tantas raízes
de mentira e medo
que nos escravizam.
para amaciar-nos,
feito um fogo lento,
um beijo gostoso,
a paz da justiça,
o dom da ternura,
a entrega sem cálculos,