DESICÕES VITAIS!
“Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem,
não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33)
O
verbo que marca o início do relato evangélico deste domingo não indica
seguimento, mas acompanhamento. Seu significado: “viajar com”, “caminhar junto
a”, está longe de manifestar adesão ao projeto ou identificação com a pessoa
com quem se compartilha a caminhada.
As
grandes multidões, às quais o relato de Lucas faz referência, vão se somando,
pelo caminho, à marcha dos seguidores de Jesus. Agregam-se ao passo do Galileu,
mas não se comprometem com Ele e com a causa do Reino. Por isso, Jesus provoca
uma brusca parada e se dirige à multidão.
Suas
palavras interpelam cada um dos seus integrantes e pretendem fixar as linhas
que distinguem acompanhantes de seguidores. Não basta simplesmente acompanhar
Jesus; isso não leva a lugar nenhum. Chegou o momento de tomar decisões.
Segui-lo, aderindo-se a seu projeto, exige dar-lhe completa prioridade. Jesus é
bem claro e não fica na superfície; não quer entusiasmos que sejam fogos
artificiais.
Ninguém
deve sentir-se enganado. Ficam claras as condições que marcam a fronteira entre
“ser massa” e formar parte do grupo daqueles(as) que se identificam com Jesus.
As três condições expostas (vv. 26-27; v. 23) não deixam lugar a dúvidas e
terminam do mesmo modo: “não pode ser meu discípulo”. Só no contexto do
seguimento de Jesus, podemos entender as exigências que propõe aos que o seguem
(preferir-lhe à família, carregar a cruz, renúncia de tudo).
Frente
à multidão que “só acompanha”, Jesus apresenta dois casos em forma de duas
pequenas parábolas. Embora muito diferentes, apontam para uma mesma direção. Os
protagonistas de ambos exemplos se encontram frente uma ação a realizar.
Precisam tomar uma decisão. No primeiro caso, trata-se de construir uma torre;
qualquer um dos integrantes da multidão pode ser o ator principal: “qual de vós
querendo construir uma torre...” É preciso refletir sobre si mesmo e fazer
cálculos das possibilidades que se tem em mãos. No segundo caso, fala-se de uma
terceira pessoa, um rei que vai enfrentar uma batalha: “qual é o rei que ao
sair para guerrear com outro...? Trata-se, nesse caso, de atuar com prudência,
prevendo acontecimentos hostis que possam surgir a partir de fora.
No
primeiro, ressalta-se a atividade construtiva e pacífica; no segundo, aparece
um risco: o movimento destrutivo motivado por uma guerra que surge
repentinamente. Ambas situações parecem concordar com as duas condições antes
expostas. Uma, exige dar um passo adiante, seguindo o que fora projetado.
Outra, pede uma parada estratégica para medir a possibilidade de enfrentar o
risco que pressiona. Trata-se de pensar; pensar antes de fazer; e fazer requer
discernimento.
Temos a impressão que o tema central
do evangelho deste domingo é tão forte que se torna quase impossível abordá-lo
de frente. Por isso, o melhor é pôr em prática o conselho que recebemos dele:
“sentar-nos para pensar”. Temos
a sensação de que o seguimento de Jesus implica sempre o dinamismo de
mover-nos, deslocar-nos e caminhar; mas, às vezes, o mais aconselhável seja
isso: parar um pouco e sentar-nos.
A
advertência de Jesus revela grande atualidade nestes momentos críticos e
decisões que ajudam a dar uma feição original ao seu seguimento. Jesus chama,
antes de mais nada, a um discernimento maduro: os dois protagonistas das
parábolas “se sentam” para refletir, discernir... Seria uma grave
irresponsabilidade viver hoje como discípulos(as) de Jesus que não sabem o que
querem, nem para onde pretender ir, nem com que meios poderão contar.
Não
se pode dar o passo sem medir as consequências. Requer-se “sentar e pensar” com
calma. Porque a condição para formar parte do reinado de Deus implica a ruptura
com os impulsos do ego: auto-centramento, apegos, busca dos próprios
interesses, busca de projeção e poder...
Os
apelos de Jesus são absolutos e constantes. Se estamos apegados ao que temos,
jamais seremos capazes de “fazer estrada com Ele” e participar da preciosa vida
que Ele nos oferece. Para seguir a Jesus, devemos esvaziar-nos; para entrar na
posse “do todo” temos de renunciar ao “nosso todo”. Os “apegos” imobilizam-nos,
congelam-nos..., impedem-nos crescer.
“Qualquer
um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo”.
Trata-se de uma atitude, uma postura, uma entrega. E a palavra é “tudo”. Um
discípulo, com um “pé atrás”, não pode ser discípulo. Não servem as entregas
pela metade. Jesus não pode se contentar com “amor a prestações”, com retalhos
de vida. A entrega parcial não é entrega. O “apego” a algo ou alguém, que
esvazia o seguimento, anula o resto da entrega e torna impossível que nossa
relação com Jesus cresça, se desenvolva e plenifique nossa vida.
Todos
temos a experiência de que viver é estar continuamente tomando decisões. Desde
o momento em que levantamos até à hora de deitar, estamos decidindo, algumas
vezes sobre questões simples, outras vezes, sobre assuntos de maior
envergadura. Sabemos que nossas decisões vão modelando nossa vida e orientando,
de uma maneira ou outra, para um fim. Qual é esse fim?
Como
seguidores(as) de Jesus, somos seres em contínuo discernimento: como
“cristificar” (prolongar o modo de ser e agir de Jesus) nossas opções, ações,
valores, compromissos...? Sabemos que é no decidir que a pessoa torna-se
pessoa, que o indivíduo torna-se sujeito. São “significativas” as decisões que
imprimem uma direção à sua vida, que a constroem dia após dia; decisões
carregadas de vida, abertas à vida, comprometidas com a vida... São as decisões
que fazem a pessoa; formam sua personalidade, definem seu caráter e integram
sua vida. A base da pessoa são suas decisões, suas determinações, fazendo com
que sua vida tenha a marca da criatividade e da ousadia: construir o caminho de
vida, rejeitar alternativas que a atrofiam e avançar na rota, em direção a um
fim pleno de sentido.
Decidir é viver, decidir é definir-se;
por isso, ao entender e refinar suas próprias maneiras de decidir, a pessoa
está entendendo melhor e refinando mais sua vida.
Em
outras palavras: “somos o que são as nossas decisões”; e a decisão pelo
seguimento de Jesus é aquela que mais nos humaniza e potencializa todo nosso
ser; afinal, somos chamados para “seguir uma Pessoa”, aquela que foi “humana
por excelência”. Por isso, precisamos conhecer detalhadamente quais são e
como as tomamos; queremos saber se nossas decisões são realmente nossas ou se
são imitação daquilo que os outros fazem, ou submissão ao que os outros nos
dizem para fazer.
A
coragem de decidir com firmeza e clareza é o que distingue o(a) seguidor(a) de
Jesus como tal, e lhe dá sua dignidade e personalidade. Não há melhor escola
humanizadora do que saber decidir. Essa é a grande contribuição que a tomada de
decisões dá à nossa vida: ativar ao máximo nossos recursos, fazer valer tudo o
que trazemos dentro de nós, dar vida a todo o nosso ser, que é feito para
conhecer, querer e decidir. Se evitamos decisões ou fugimos de
responsabilidades, condenamo-nos a viver num canto, encolhido e prostrado. Para
desenvolver ao máximo nossas potencialidades, temos de enfrentar dilemas,
encruzilhadas, perplexidades e responsabilidades. Isto nos faz ter acesso à
vida plena, mobilizar nossas forças, encontrar a nós mesmos, encontrando-nos
com Aquele que nos inspira.
Texto bíblico: Lc 14,25-33
Na oração: No encontro com Deus deixar
aflorar aquilo que é a base, o sólido, o fundamento, que dá sentido à sua vida.
Sobre quê valores, critérios, opções... você vai construir sua vida?
-
A Bíblia fala do equilíbrio entre o olho, ouvido, coração e mão, quando se
refere à decisão:
-
olho: atenção (ler os sinais, interiores e exteriores);
-
ouvido: escutar-auscultar: captar vozes do coração;
-
coração: é a decisão com afeto;
-
mão: é a ação (realizar na prática, a decisão).
*
Fazer memória das suas decisões diárias: elas são “cristificadas” ou tem a
marca do “ego inflado”?
Elas
são oblativas, abertas, descentradas..., ou centradas no próprio interesse?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Sempre em busca do sentido e da felicidade, a
sabedoria implica num justo olhar para consigo mesmo e para com o mundo. Mas,
também, é um dom de Deus e do Espírito, como proclamam Salomão e o Salmista. A
sabedoria de Jesus é, contudo, paradoxal, porque traduz a novidade do Reino que
ele prega. Conhecer os desígnios do Senhor é a grande questão do crente que deseja
colocar a sua vida de acordo com a sua fé.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), jesuíta francês,
publicada no sítio Croire,
comentando o evangelho do 23º
Domingo do Tempo Comum - Ciclo C (08 de setembro de 2019).
A tradução é de Francisco
O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
ESCOLHER
O CRISTO É ESCOLHER AMAR
Viver é abrir-se ao novo,
apoiando-se no passado; um novo que pode ser desconcertante e também exigente.
Quando, no evangelho de hoje, ouvimos Jesus nos convidar a preferi-lo a todos
os membros de nossa família, lembramos Gênesis 2,24: «Deixará o homem seu pai e
sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne.» Fazendo a
transposição, veremos que esta fórmula descreve a mesma realidade deste
evangelho: «O ser humano, homem ou mulher, deixará seu pai e sua mãe e se unirá
ao Cristo, e os dois se tornarão uma só carne.» Em Efésios 5,21-33, Paulo põe o
amor entre o homem e a mulher em paralelo com a união de Cristo com o seu corpo
que é a Igreja (todos nós reunidos). Deixar tudo para tornar-se um só com
Cristo (o evangelho diz «segui-lo») é apresentado no Novo Testamento como
análogo ao encontro nupcial. Não se trata de simples metáfora: a união dos
esposos é a imagem, o «sacramento», da nossa união com Deus. Mas o que
significa preferir Cristo a tudo mais que não seja ele, mesmo em se tratando de
nossos entes mais próximos? Creio que Jesus nos quer dizer que temos de
preferir o amor à posse. O amor apenas sabe dar, enquanto outras formas de
união sabem somente tomar. Se bem que seguir o Cristo é a melhor maneira de
amarmos pai, mãe, mulher, filhos etc.…
No caminho para Jerusalém
O
que acabamos de dizer exige uma explicação suplementar. Lucas situa estas
palavras de Jesus no contexto da sua caminhada para Jerusalém, para a cruz.
Ora, todo o relato que segue o versículo 51 do capítulo 9, onde vemos Jesus
pôr-se a caminho para «a cidade que mata os profetas», está imerso numa
atmosfera de aproximação da morte. Por isso Jesus fala em não preferirmos nem
mesmo à nossa própria vida, mas a ele. Pois, segui-lo de fato significa
comportar-se como ele se comportou, justamente ele que, em Jerusalém, deu
preferência a todos nós, em detrimento de sua própria vida. A reciprocidade,
portanto, se impõe. Daí resulta que, só podendo nos tornar imagem e semelhança
de Deus fazendo-nos imagem e semelhança de Cristo, é a nossa própria criação
que está em jogo. Só podemos existir no amor que nos faz ser e que deve se
tornar a nossa própria substância. Estamos, então, nós também, no caminho para
Jerusalém. Nem todos, com certeza, destinados a uma morte violenta, mas, todos,
sofremos doenças, acidentes, envelhecimento... Cabe a nós acolher tudo isso
como um dom da nossa vida e, por aí, unirmo-nos ao Cristo. Devemos compreender,
contudo, que o sofrimento em si mesmo não tem valor nenhum, e temos razão de
combatê-lo, tanto em nós como nos outros. O que tem valor é o dom, e este dom
passa por tudo o que a vida nos traz, quer se trate de alegrias ou de penas.
Encontrar e tornar a encontrar Deus em todas as coisas.
Escolher viver
Jesus nunca se impõe. Os «se queres» ou «quem
quer», por exemplo, «ser meu discípulo», são marcas do relato evangélico. Em
Deuteronômio 30,15 e 19 já líamos: «Eis que hoje estou colocando diante de ti a
vida e a felicidade, a morte e a infelicidade (…) Escolhe, pois, a vida para
que vivas...» Ora, em que consiste escolher a vida? O mesmo texto responde:
amando a Deus, ou seja, amando e escolhendo o Amor. Ficamos sabendo mais tarde
que amar a Deus só pode ser vivido de fato se amamos os outros (ver entre
tantos outros lugares 1 João 4,20). Amar é, portanto, responder a um convite de
Deus, não sob qualquer forma de coação.
Uma escolha
Devemos desconfiar disto que chamamos de amor.
Uma ditadura exercida por sentimentos muito violentos significa muitas vezes
somente um desejo de possuir, e não uma decisão de se entregar totalmente, para
o melhor, mas também, eventualmente, para o pior. Este caráter de uma decisão
livre é muito bem ilustrado pelas duas parábolas que enquadram este enunciado
das condições necessárias ao seguimento de Jesus. Neste mesmo capítulo, no
texto que precede este evangelho, a parábola dos convidados para as núpcias
também sublinha o caráter nupcial da união com Deus (ver também em Mateus
22,1-14). Os convidados se esquivaram, porque escolheram outra prioridade em
suas vidas. Logo após o convite para seguir Jesus, «carregando (cada um) a sua
cruz», temos as parábolas do homem que quer construir uma torre e do rei que
quer partir para a guerra. São parábolas que nos convidam a refletir bastante
antes de nos decidirmos. Mas não devemos nos preocupar demais, se não temos
toda a força que este empreendimento exige: Jesus, na cruz, veio nos buscar
donde quer que estejamos, do mais baixo que possamos ter descido.