domingo, 8 de setembro de 2019



DESICÕES VITAIS!

“Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33) 
O verbo que marca o início do relato evangélico deste domingo não indica seguimento, mas acompanhamento. Seu significado: “viajar com”, “caminhar junto a”, está longe de manifestar adesão ao projeto ou identificação com a pessoa com quem se compartilha a caminhada. 
As grandes multidões, às quais o relato de Lucas faz referência, vão se somando, pelo caminho, à marcha dos seguidores de Jesus. Agregam-se ao passo do Galileu, mas não se comprometem com Ele e com a causa do Reino. Por isso, Jesus provoca uma brusca parada e se dirige à multidão. 
Suas palavras interpelam cada um dos seus integrantes e pretendem fixar as linhas que distinguem acompanhantes de seguidores. Não basta simplesmente acompanhar Jesus; isso não leva a lugar nenhum. Chegou o momento de tomar decisões. Segui-lo, aderindo-se a seu projeto, exige dar-lhe completa prioridade. Jesus é bem claro e não fica na superfície; não quer entusiasmos que sejam fogos artificiais. 
Ninguém deve sentir-se enganado. Ficam claras as condições que marcam a fronteira entre “ser massa” e formar parte do grupo daqueles(as) que se identificam com Jesus. As três condições expostas (vv. 26-27; v. 23) não deixam lugar a dúvidas e terminam do mesmo modo: “não pode ser meu discípulo”. Só no contexto do seguimento de Jesus, podemos entender as exigências que propõe aos que o seguem (preferir-lhe à família, carregar a cruz, renúncia de tudo).
Frente à multidão que “só acompanha”, Jesus apresenta dois casos em forma de duas pequenas parábolas. Embora muito diferentes, apontam para uma mesma direção. Os protagonistas de ambos exemplos se encontram frente uma ação a realizar. Precisam tomar uma decisão. No primeiro caso, trata-se de construir uma torre; qualquer um dos integrantes da multidão pode ser o ator principal: “qual de vós querendo construir uma torre...” É preciso refletir sobre si mesmo e fazer cálculos das possibilidades que se tem em mãos. No segundo caso, fala-se de uma terceira pessoa, um rei que vai enfrentar uma batalha: “qual é o rei que ao sair para guerrear com outro...? Trata-se, nesse caso, de atuar com prudência, prevendo acontecimentos hostis que possam surgir a partir de fora.
No primeiro, ressalta-se a atividade construtiva e pacífica; no segundo, aparece um risco: o movimento destrutivo motivado por uma guerra que surge repentinamente. Ambas situações parecem concordar com as duas condições antes expostas. Uma, exige dar um passo adiante, seguindo o que fora projetado. Outra, pede uma parada estratégica para medir a possibilidade de enfrentar o risco que pressiona. Trata-se de pensar; pensar antes de fazer; e fazer requer discernimento. 
Temos a impressão que o tema central do evangelho deste domingo é tão forte que se torna quase impossível abordá-lo de frente. Por isso, o melhor é pôr em prática o conselho que recebemos dele: “sentar-nos para pensar”. Temos a sensação de que o seguimento de Jesus implica sempre o dinamismo de mover-nos, deslocar-nos e caminhar; mas, às vezes, o mais aconselhável seja isso: parar um pouco e sentar-nos.
A advertência de Jesus revela grande atualidade nestes momentos críticos e decisões que ajudam a dar uma feição original ao seu seguimento. Jesus chama, antes de mais nada, a um discernimento maduro: os dois protagonistas das parábolas “se sentam” para refletir, discernir... Seria uma grave irresponsabilidade viver hoje como discípulos(as) de Jesus que não sabem o que querem, nem para onde pretender ir, nem com que meios poderão contar. 
Não se pode dar o passo sem medir as consequências. Requer-se “sentar e pensar” com calma. Porque a condição para formar parte do reinado de Deus implica a ruptura com os impulsos do ego: auto-centramento, apegos, busca dos próprios interesses, busca de projeção e poder... 
Os apelos de Jesus são absolutos e constantes. Se estamos apegados ao que temos, jamais seremos capazes de “fazer estrada com Ele” e participar da preciosa vida que Ele nos oferece. Para seguir a Jesus, devemos esvaziar-nos; para entrar na posse “do todo” temos de renunciar ao “nosso todo”. Os “apegos” imobilizam-nos, congelam-nos..., impedem-nos crescer.
“Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo”. Trata-se de uma atitude, uma postura, uma entrega. E a palavra é “tudo”. Um discípulo, com um “pé atrás”, não pode ser discípulo. Não servem as entregas pela metade. Jesus não pode se contentar com “amor a prestações”, com retalhos de vida. A entrega parcial não é entrega. O “apego” a algo ou alguém, que esvazia o seguimento, anula o resto da entrega e torna impossível que nossa relação com Jesus cresça, se desenvolva e plenifique nossa vida.
Todos temos a experiência de que viver é estar continuamente tomando decisões. Desde o momento em que levantamos até à hora de deitar, estamos decidindo, algumas vezes sobre questões simples, outras vezes, sobre assuntos de maior envergadura. Sabemos que nossas decisões vão modelando nossa vida e orientando, de uma maneira ou outra, para um fim. Qual é esse fim? 
Como seguidores(as) de Jesus, somos seres em contínuo discernimento: como “cristificar” (prolongar o modo de ser e agir de Jesus) nossas opções, ações, valores, compromissos...? Sabemos que é no decidir que a pessoa torna-se pessoa, que o indivíduo torna-se sujeito. São “significativas” as decisões que imprimem uma direção à sua vida, que a constroem dia após dia; decisões carregadas de vida, abertas à vida, comprometidas com a vida... São as decisões que fazem a pessoa; formam sua personalidade, definem seu caráter e integram sua vida. A base da pessoa são suas decisões, suas determinações, fazendo com que sua vida tenha a marca da criatividade e da ousadia: construir o caminho de vida, rejeitar alternativas que a atrofiam e avançar na rota, em direção a um fim pleno de sentido.
Decidir é viver, decidir é definir-se; por isso, ao entender e refinar suas próprias maneiras de decidir, a pessoa está entendendo melhor e refinando mais sua vida. 
Em outras palavras: “somos o que são as nossas decisões”; e a decisão pelo seguimento de Jesus é aquela que mais nos humaniza e potencializa todo nosso ser; afinal, somos chamados para “seguir uma Pessoa”, aquela que foi “humana por excelência”.  Por isso, precisamos conhecer detalhadamente quais são e como as tomamos; queremos saber se nossas decisões são realmente nossas ou se são imitação daquilo que os outros fazem, ou submissão ao que os outros nos dizem para fazer. 
A coragem de decidir com firmeza e clareza é o que distingue o(a) seguidor(a) de Jesus como tal, e lhe dá sua dignidade e personalidade. Não há melhor escola humanizadora do que saber decidir. Essa é a grande contribuição que a tomada de decisões dá à nossa vida: ativar ao máximo nossos recursos, fazer valer tudo o que trazemos dentro de nós, dar vida a todo o nosso ser, que é feito para conhecer, querer e decidir. Se evitamos decisões ou fugimos de responsabilidades, condenamo-nos a viver num canto, encolhido e prostrado. Para desenvolver ao máximo nossas potencialidades, temos de enfrentar dilemas, encruzilhadas, perplexidades e responsabilidades. Isto nos faz ter acesso à vida plena, mobilizar nossas forças, encontrar a nós mesmos, encontrando-nos com Aquele que nos inspira. 
Texto bíblico:  Lc 14,25-33
Na oração: No encontro com Deus deixar aflorar aquilo que é a base, o sólido, o fundamento, que dá sentido à sua vida. Sobre quê valores, critérios, opções... você vai construir sua vida?
- A Bíblia fala do equilíbrio entre o olho, ouvido, coração e mão, quando se refere à decisão:
- olho: atenção (ler os sinais, interiores e exteriores);
- ouvido: escutar-auscultar: captar vozes do coração;
- coração: é a decisão com afeto;
- mão: é a ação (realizar na prática, a decisão). 
 * Fazer memória das suas decisões diárias: elas são “cristificadas” ou tem a marca do “ego inflado”?
Elas são oblativas, abertas, descentradas..., ou centradas no próprio interesse?
Pe. Adroaldo Palaoro sj


 Sempre em busca do sentido e da felicidade, a sabedoria implica num justo olhar para consigo mesmo e para com o mundo. Mas, também, é um dom de Deus e do Espírito, como proclamam Salomão e o Salmista. A sabedoria de Jesus é, contudo, paradoxal, porque traduz a novidade do Reino que ele prega. Conhecer os desígnios do Senhor é a grande questão do crente que deseja colocar a sua vida de acordo com a sua fé.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 23º Domingo do Tempo Comum - Ciclo C (08 de setembro de 2019). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

ESCOLHER O CRISTO É ESCOLHER AMAR
Viver é abrir-se ao novo, apoiando-se no passado; um novo que pode ser desconcertante e também exigente. Quando, no evangelho de hoje, ouvimos Jesus nos convidar a preferi-lo a todos os membros de nossa família, lembramos Gênesis 2,24: «Deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne.» Fazendo a transposição, veremos que esta fórmula descreve a mesma realidade deste evangelho: «O ser humano, homem ou mulher, deixará seu pai e sua mãe e se unirá ao Cristo, e os dois se tornarão uma só carne.» Em Efésios 5,21-33, Paulo põe o amor entre o homem e a mulher em paralelo com a união de Cristo com o seu corpo que é a Igreja (todos nós reunidos). Deixar tudo para tornar-se um só com Cristo (o evangelho diz «segui-lo») é apresentado no Novo Testamento como análogo ao encontro nupcial. Não se trata de simples metáfora: a união dos esposos é a imagem, o «sacramento», da nossa união com Deus. Mas o que significa preferir Cristo a tudo mais que não seja ele, mesmo em se tratando de nossos entes mais próximos? Creio que Jesus nos quer dizer que temos de preferir o amor à posse. O amor apenas sabe dar, enquanto outras formas de união sabem somente tomar. Se bem que seguir o Cristo é a melhor maneira de amarmos pai, mãe, mulher, filhos etc.…

No caminho para Jerusalém

O que acabamos de dizer exige uma explicação suplementar. Lucas situa estas palavras de Jesus no contexto da sua caminhada para Jerusalém, para a cruz. Ora, todo o relato que segue o versículo 51 do capítulo 9, onde vemos Jesus pôr-se a caminho para «a cidade que mata os profetas», está imerso numa atmosfera de aproximação da morte. Por isso Jesus fala em não preferirmos nem mesmo à nossa própria vida, mas a ele. Pois, segui-lo de fato significa comportar-se como ele se comportou, justamente ele que, em Jerusalém, deu preferência a todos nós, em detrimento de sua própria vida. A reciprocidade, portanto, se impõe. Daí resulta que, só podendo nos tornar imagem e semelhança de Deus fazendo-nos imagem e semelhança de Cristo, é a nossa própria criação que está em jogo. Só podemos existir no amor que nos faz ser e que deve se tornar a nossa própria substância. Estamos, então, nós também, no caminho para Jerusalém. Nem todos, com certeza, destinados a uma morte violenta, mas, todos, sofremos doenças, acidentes, envelhecimento... Cabe a nós acolher tudo isso como um dom da nossa vida e, por aí, unirmo-nos ao Cristo. Devemos compreender, contudo, que o sofrimento em si mesmo não tem valor nenhum, e temos razão de combatê-lo, tanto em nós como nos outros. O que tem valor é o dom, e este dom passa por tudo o que a vida nos traz, quer se trate de alegrias ou de penas. Encontrar e tornar a encontrar Deus em todas as coisas.

Escolher viver

Jesus nunca se impõe. Os «se queres» ou «quem quer», por exemplo, «ser meu discípulo», são marcas do relato evangélico. Em Deuteronômio 30,15 e 19 já líamos: «Eis que hoje estou colocando diante de ti a vida e a felicidade, a morte e a infelicidade (…) Escolhe, pois, a vida para que vivas...» Ora, em que consiste escolher a vida? O mesmo texto responde: amando a Deus, ou seja, amando e escolhendo o Amor. Ficamos sabendo mais tarde que amar a Deus só pode ser vivido de fato se amamos os outros (ver entre tantos outros lugares 1 João 4,20). Amar é, portanto, responder a um convite de Deus, não sob qualquer forma de coação.

Uma escolha

Devemos desconfiar disto que chamamos de amor. Uma ditadura exercida por sentimentos muito violentos significa muitas vezes somente um desejo de possuir, e não uma decisão de se entregar totalmente, para o melhor, mas também, eventualmente, para o pior. Este caráter de uma decisão livre é muito bem ilustrado pelas duas parábolas que enquadram este enunciado das condições necessárias ao seguimento de Jesus. Neste mesmo capítulo, no texto que precede este evangelho, a parábola dos convidados para as núpcias também sublinha o caráter nupcial da união com Deus (ver também em Mateus 22,1-14). Os convidados se esquivaram, porque escolheram outra prioridade em suas vidas. Logo após o convite para seguir Jesus, «carregando (cada um) a sua cruz», temos as parábolas do homem que quer construir uma torre e do rei que quer partir para a guerra. São parábolas que nos convidam a refletir bastante antes de nos decidirmos. Mas não devemos nos preocupar demais, se não temos toda a força que este empreendimento exige: Jesus, na cruz, veio nos buscar donde quer que estejamos, do mais baixo que possamos ter descido.