domingo, 25 de junho de 2017
Abrir o coração e deixar-se amar por Deus!
Deixar-se amar pelo Senhor com ternura é difícil, mas é o que se deve pedir a Deus. Este foi o convite lançado pelo Papa Francisco na Missa celebrada na manhã desta sexta-feira, 7, na Casa Santa Marta.
No dia em que a Igreja celebra a solenidade do Sagrado Coração de Jesus, o Papa falou várias vezes em sua homilia sobre o amor de Jesus pela humanidade. Ele destacou que a solenidade de hoje é festa do amor, de um coração que muito amou e recordou o que dizia Santo Inácio sobre o amor de Jesus: um amor que se manifesta mais nas obras do que nas palavras e é, sobretudo, mais dar do que receber.
“Esses dois critérios são como os pilares do verdadeiro amor de Deus. Ele conhece suas ovelhas uma a uma, porque não se trata de um amor abstrato, mas que se manifesta por cada um de nós”, disse.
Citando um trecho do Livro do Profeta Ezequiel, Francisco evidenciou outro aspecto do amor de Deus: o cuidado pela ovelha perdida e por aquela ferida e doente.
“Ternura! O Senhor nos ama com ternura. O Senhor conhece aquela bela ciência dos carinhos, a ternura. Não nos ama com as palavras. Ele se aproxima e nos dá o amor com ternura. Proximidade e ternura! E este é um amor forte, porque nos faz ver a fortaleza do amor de Deus”.
Francisco explicou ainda que este amor deve fazer-se próximo do outro, deve ser como o do bom samaritano. Ele concluiu dizendo que mais difícil que amar a Deus é deixar-se amar por Ele e que a maneira de retribuir tanto amor é abrir o coração e deixar-se amar.
“Deixar que Ele se faça próximo a nós, deixar que ele nos acaricie. É tão difícil deixar-nos amar por Ele. Talvez isso é o que devemos pedir hoje na Missa: ‘Senhor, eu quero amá-Lo, mas me ensine a difícil ciência, o difícil hábito de deixar-nos amar, de senti-Lo próximo e tenro!’. Que o Senhor no dê esta graça!”.Papa Fracisco
A Sagrada Eucaristia é um “segredo” que muitos
cristãos ainda não conhecem com profundidade, por isso, não se beneficiam
plenamente das suas graças. Há dois mil anos, Jesus está no meio de nós,
escondido, e muitos ainda não O conhecem. O Papa São João Paulo II disse que “a
Igreja vive de Jesus Eucarístico, por Ele é nutrida; por Ele é iluminada”.
(Ecclesia de Eucaristia, 6).
O nosso Catecismo diz: “A Eucaristia é o coração e
o ápice da vida da Igreja, pois nela Cristo associa sua Igreja e todos os seus
membros a Seu sacrifício de louvor e de ação de graças oferecido, uma vez por
todas, na cruz a Seu Pai; pelo Seu sacrifício, Ele derrama as graças da
salvação sobre Seu corpo, que é a Igreja” (cf. n.1407).
Por que Jesus se esconde na Eucaristia? Muitos
ficam angustiados, porque Ele esconde Sua Glória na Eucaristia. Mas Ele precisa
fazer isso, para que o brilho de Sua Majestade não ofusque a nossa vista,
impedindo-nos de chegar a Ele. O Senhor não pode mostrar o fulgor de Sua
Glória, porque se o mostrasse, nós morreríamos. Nem mesmo podemos olhar para o
Sol ao meio-dia! Ele se esconde para podermos nos achegar a Ele sem medo.
Jesus desce até o nada na hóstia para que desçamos
com Ele e sintamos profundamente o que Ele disse: “Vinde a Mim, aprendei de mim
que sou manso e humilde de coração”. O amor exige a presença do Amado, a
comunhão de bens e a união perfeita; por isso Jesus quis ficar na Eucaristia
para estar conosco. Ele nos ama profundamente.
A Eucaristia é a maior prova de amor de Jesus. Ele
a instituiu na noite em que foi traído. Deus quis ficar conosco para sempre,
por causa de nossa fraqueza e miséria: “Eis que Eu estou convosco todos os
dias”. (Mt 28,20). Por isso Ele pede: “Permanecei em Mim e Eu permanecerei em
Vós, porque sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15,4-5).
Santo Agostinho disse que “Jesus, sendo Deus
onipotente, não pôde dar mais; sendo sapientíssimo, não soube dar mais; e sendo
riquíssimo, não teve mais o que dar.”
Jesus, no Sacrário, é o prisioneiro do Seu amor por
nós. Pesava-Lhe a ideia de nos abandonar neste vale de lágrimas sem a Sua
companhia. Por nós, Ele oferece ao Pai, continuamente, as Suas chagas, o Seu
Sangue e Seu aniquilamento. Ele é a Hóstia, isto é, “vítima oferecida em
sacrifício permanente”. Ali, Ele continua a salvar o homem de forma pessoal e
misteriosa; ensina-nos a sermos humildes. Do Sacrário, Ele governa o universo
com amor. Não sofre mais na Hóstia, mas está em permanente estado de
sacrifício. Ali, Ele se compadece de todos que se aproximam, porque a todos
quer salvar. Não há dor que não seja amenizada diante d’Ele. São Paulo
relata o que recebeu de Jesus:
“O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue,
tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: ‘Tomai e comei; isto é o meu
corpo, que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim’. Igualmente
também, depois de ter ceado, tomou o cálice e disse: ‘Este cálice é o novo
testamento no meu sangue; fazei isto em memória de mim todas as vezes que o
beberdes'” (1Cor 11,23-29).
Na Santa Missa, temos a perpetuação, a atualização,
a presentificação do sacrifício da cruz (Cat. n. 1323); a Missa nos une à
liturgia do céu e antecipa a vida eterna; é o céu na terra (n. 1326).
A multiplicação dos pães e o milagre das bodas de
Caná são sinais da Eucaristia.
Santo Inácio de Antioquia, mártir do império romano (†102), disse: “Esforçai-vos, portanto, por vos reunir mais frequentemente, para celebrar a Eucaristia de Deus e o seu louvor. Pois quando realizais frequentes reuniões, são aniquiladas as forças de Satanás e se desfaz seu malefício por vossa união na fé. Nada há melhor do que a paz, pela qual cessa a guerra das potências celestes e terrestres.” (Carta aos Efésios)
Santo Inácio de Antioquia, mártir do império romano (†102), disse: “Esforçai-vos, portanto, por vos reunir mais frequentemente, para celebrar a Eucaristia de Deus e o seu louvor. Pois quando realizais frequentes reuniões, são aniquiladas as forças de Satanás e se desfaz seu malefício por vossa união na fé. Nada há melhor do que a paz, pela qual cessa a guerra das potências celestes e terrestres.” (Carta aos Efésios)
Quanto mais amarmos Jesus Eucarístico, mais seremos
semelhantes a Ele. Se Ele pudesse, sem dúvida, derramaria lágrimas copiosas no
Sacrário por cada um de nós.
Foi preciso que um ladrão adorasse Sua divindade e
proclamasse Sua inocência; foi preciso que a natureza chorasse o seu Criador,
já que os homens não o fizeram.
À Consolata Bertone Ele perguntou: “O que mais Eu
poderia ter feito por vós?”.
Não se preocupe em sentir nada na comunhão; apenas
creia pela fé. Ele disse: “Isso é o meu corpo”. Basta. Não precisamos de mais
nada. “Felizes aqueles que crêem sem ter visto… Não seja incrédulo, mas homem
de fé” (Jo 20, 28-29).
São Cirilo de Jerusalém (315-386), nas suas
pregações na Basílica do Santo Sepulcro, falava aos fiéis: “Ao comungarmos o
Corpo de Cristo, tornamo-nos “cristóforos”, ou seja, portadores de Cristo”.
Santo Agostinho (354-430) chamava a Eucaristia de
“o pão de cada dia, que se torna como o remédio para a nossa fraqueza de cada
dia.” E ainda: “Ó reverenda dignidade do sacerdote, em cujas mãos o Filho de
Deus se encarna como no Seio da Virgem”. “A virtude própria deste alimento
divino é uma força de união que nos une ao Corpo do Salvador e nos faz seus
membros, a fim de que nos transformemos naquilo que recebemos”.
São Cipriano de Cartago (†258), durante a
perseguição romana, dizia: “Os fiéis bebem diariamente do cálice do Senhor,
para que possam também eles derramar o seu sangue por Cristo” (Epistola 56, n.
1).
Todos os Santos foram devotos da Eucaristia;
aprendamos com eles:
São Jerônimo (348-420), doutor da Igreja, assim
falou da Missa: “Nosso Senhor nos concede tudo o que lhe pedimos na Santa
Missa: o que mais vale é que nos dá ainda o que nem sequer cogitamos pedir-Lhe
e que, entretanto, nos é necessário”.
São João Maria Vianney, patrono dos párocos: “Se
conhecêssemos o valor do Santo Sacrifício da Missa, que zelo não teríamos em
assistir a ela!”. “Cada Hóstia consagrada é feita para se consumir de amor em
um coração humano”.
São Bernardo de Claraval (1090-1153), doutor da
Igreja: “Fica sabendo, ó cristão, que mais merece ouvir devotamente uma só
Missa do que distribuir todas as riquezas aos pobres e peregrinar toda a
terra”. “A comunhão reprime as nossas paixões: ira e sensualidade
principalmente”. “Quando Jesus está presente corporalmente em nós, ao redor de
nós, montam guarda de amor os anjos”.
Santa Teresa D’Avila (1515-1582), doutora da
Igreja: “Não há meio melhor para se chegar à perfeição”.“Não percamos tão
grande oportunidade para negociar com Deus. Ele [Jesus] não costuma pagar mau a
hospedagem se o recebemos bem”. “Devemos estar na presença de Jesus
Sacramentado, como os Santos no céu, diante da Essência Divina”. “É pelo
preparo do aposento que se conhece o amor de quem acolhe o seu amado”, dizia
Santa Tereza.
São Tomás de Aquino (1225-1274): “A Comunhão
destrói a tentação do demônio”.
São João Crisóstomo (349-407), doutor da Igreja: “A
Eucaristia dá-nos uma grande inclinação para a virtude, uma grande paz e torna
mais fácil o caminho para a santificação”.“Deu-se todo não reservando nada para
si”. “Não comungar seria o maior desprezo a Jesus que se sente “doente de amor”
(Ct 2,4-5)”.
Santo Ambrósio (340-397), doutor da Igreja: “Eu que
sempre peco, preciso sempre do remédio ao meu alcance.”
São Gregório Nazianzeno (330-379), doutor da
Igreja: “Este pão do céu requer-se que se tenha forme. Ele quer ser
desejado”.“O Santíssimo Sacramento é fogo que nos inflama, de modo que,
retirando-no do altar, espargimos tais chamas de amor que nos tornam terríveis
ao inferno.”
Santo Agostinho (354-430), doutor da Igreja: “Ele
se esconde, porque quer ser procurado”. “Não somos nós que transformamos Jesus
Cristo em nós, como fazemos com os outros alimentos que tomamos, mas é Jesus
Cristo que nos transforma n’Ele”. “Na Eucaristia, Maria perpetua e estende a
sua maternidade.”
Santo Afonso de Ligório (1696-1787), doutor da
Igreja: “A comunhão diária não pode conviver com o desejo de aparecer, vaidade
no vestir, prazeres da gula, comodidades, conversas frívolas e maldosas. Exige
oração, mortificação e recolhimento.”
“Ficai certos de que todos os instantes da vossa
vida, o tempo que passardes diante do Divino Sacramento será o que vos dará
mais força durante a vida, mais consolação na hora da morte e durante a
eternidade”.
Santa Maria Madalena de Piazzi: “Tempo mais
apropriado para crescer no amor de Deus”.”Os minutos que vêm depois da comunhão
– dizia a santa – são os mais preciosos que temos em nossa vida; os mais
apropriados de nossa parte para entender-nos com Deus e, da parte de Deus, para
comunicar-nos o seu amor”.
Santa Teresinha (1873-1897), doutora da Igreja:
“Não é para ficar numa âmbula de ouro, que Jesus desce cada dia do céu, mas
para encontrar um outro céu, o da nossa alma, onde ele encontra as sua
delícias”.
“Quando o demônio não pode entrar com o pecado no
santuário de uma alma, quer, pelo menos, que ela fique vazia, sem dono e
afastada da comunhão.”
Santa Margarida Maria Alacoque: “Nós não saberíamos
dar maior alegria ao nosso inimigo, o demônio, do que afastando-nos de Jesus, o
qual lhe tira o poder que ele tem sobre nós.”
São Filipe Neri: “A devoção ao Santíssimo
Sacramento e a devoção à Santíssima Virgem são, não o melhor, mas o único meio
para se conservar a pureza. Somente a comunhão é capaz de conservar um coração
puro aos 20 anos. Não pode haver castidade sem a Eucaristia.”
Santa Catarina de Gênova: “O tempo passado diante
do Sacrário é o tempo mais bem empregado da minha vida”.
São João Bosco: “Não omitais nunca a visita a cada
dia ao Santíssimo Sacramento, ainda que seja muito breve, mas contanto que seja
constante.”
Chiara Lubic: “Enquanto existir a Eucaristia eu
nunca estarei só. Enquanto existir um sacrário, não terei solidão”.
La madre Fondatrice attribuia tutto Il bene
operato, Le difficoltá superate e la forza nell´accettare serenamente i
disprezzi, le afflizioni e le contraddizioni “agli effetti della comunione
frequente” e diceva: “ é qui dove prenderete la forza contro le tentazioni e ritroverete il mezzo piú potente e facile
da farvi sante e presto sante”.
domingo, 4 de junho de 2017
VIGÍLIA
ECUMÊNICA DE PENTECOSTES
“Todos nós os escutamos anunciarem as
maravilhas de Deus na nossa própria língua” foi o tema da Pregação do Frei
Raniero Cantalamessa na Vigília ecumênica de Pentecostes realizada no Circo
Máximo, em Roma, na presença do Papa Francisco.
Dos
Atos dos Apóstolos, capítulo Dois:
“Moravam
em Jerusalém judeus devotos, de todas as nações do mundo. Quando ouviram o
barulho, juntou-se a multidão, e todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os
discípulos falar em sua própria língua. Cheios de espanto e de admiração,
diziam: ‘Esses homens que estão falando não são todos galileus? Como é que nós
os escutamos na nossa própria língua? Nós que somos partos, medos e elamitas,
habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da
Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia, próxima de Cirene, também
romanos que aqui residem; judeus e prosélitos, cretenses e árabes, todos nós os
escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na nossa própria língua!’ Todos estavam
pasmos e perplexos, e diziam uns aos outros: ‘Que significa isso?’ ” (At 2,
5-13).
Esta
cena se renova hoje entre nós. Também nós viemos “de todas as nações do mundo”,
e estamos aqui para proclamar juntos “as maravilhas de Deus”.
Porém,
há um mensagem a se descobrir nesta parte da narrativa de Pentecostes. Desde a
antiguidade, entendeu-se que o autor dos Atos – ou seja, em primeiro lugar, o
Espírito Santo! – com esta insistência no fenômeno das línguas, quis fazer-nos
entender que, em Pentecostes, aconteceu algo que inverte o que tinha acontecido
em Babel. O Espírito transforma o caos linguístico de Babel na nova harmonia
das vozes. Graças a ele, escrevia Santo Irineu no século III, “todas as línguas
se uniram no mesmo louvor de Deus”[1]. Isso explica porque a narrativa de
Babel, em Gênesis 11, é tradicionalmente inserida entre as leituras bíblicas da
vigília de Pentecostes.
Os
construtores de Babel não eram, como se pensava há algum tempo, ímpios que
pretendiam desafiar Deus, algo equivalente aos titãs da mitologia grega. Não,
eram homens piedosos e religiosos. A torre que queriam construir era um templo
à divindade, um daqueles templos feitos em terraços sobrepostos,
chamados zigurates, dos quais ainda restam ruínas na Mesopotâmia.
Então,
onde estava seu pecado? Escutemos o que dizem entre si ao porem mãos à obra: “E
disseram: ‘Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja o
céu. Assim, ficaremos famosos, e não seremos dispersos por toda a face da
terra’ ” (Gn 11,4). Martinho Lutero faz uma observação esclarecedora a
propósito destas palavras:
“
‘Construamo-nos uma cidade e uma torre’: construamos para nós – não para Deus
(…). ‘Façamos um nome’: façamo-lo para nós. Não se preocupam para que o nome de
Deus seja glorificado, eles estão preocupados em engrandecer o próprio
nome”[2].
Em
outras palavras, Deus é instrumentalizado; deve servir à sua vontade de
potência. Pensavam, talvez, segundo a mentalidade do tempo, que oferecendo
sacrifícios a partir de uma maior altitude, poderiam arrancar da divindade
vitórias sobre os povos vizinhos. Eis porque Deus é forçado a confundir suas
línguas e mandar pelos ares o projeto deles.
Isso
faz, de um só golpe, a experiência de Babel e de seus construtores muito
próxima a nós. O quanto das divisões entre os cristãos foi devido ao desejo
secreto de fazer-nos um nome, de nos elevarmos acima dos outros, de tratar com
Deus a partir de uma posição de superioridade em relação aos demais! O quanto
foi devido ao desejo de fazer para si um nome, ou de fazê-lo em nome da própria
Igreja, mais do que a Deus! Eis aqui a nossa Babel!
Passemos,
agora, a Pentecostes. Também aqui vemos um grupo de homens, os apóstolos, que
se põem a construir uma torre que vai da terra ao céu, a Igreja. Em Babel,
ainda se falava uma única língua e, em um dado momento, ninguém compreende mais
o outro; aqui, todos falam línguas diversas, e todos entendem os apóstolos. Por
quê? É que o Espírito Santo operou neles uma revolução copernicana.
Antes
deste momento, também os apóstolos estavam preocupados em se fazer um nome e,
por isso, discutiam frequentemente “quem fosse o maior entre eles”. Agora, o
Espírito Santo lhes descentralizou de si mesmos e reorientou-os em Cristo. O
coração de pedra foi despedaçado e, em seu lugar, bate “um coração de carne”
(Ez 36,26). Foram “batizados no Espírito Santo”, como tinha prometido Jesus
antes de deixá-los (At 1,8), isto é, completamente submersos pelo oceano do
amor de Deus derramado sobre eles (cf. Rm 5,5).
Estão
deslumbrados pela glória de Deus. O falar em diversas línguas se explica também
pelo fato de que falavam com a língua, com os olhos, com o rosto, com as mãos,
com o estupor de quem viu coisas que não podem narrar. “Todos nós os escutamos
anunciarem as maravilhas de Deus na nossa própria língua”. Eis porque todos os
compreendiam: não falavam mais de si mesmos, mas de Deus!
Deus
nos chama a atuar em nossa vida a mesma conversão: de nós mesmos a Deus, da
pequena unidade que é a nossa paróquia, o nosso movimento, a nossa própria
Igreja, à grande unidade que é aquela do corpo inteiro de Cristo, ou seja, a
humanidade inteira. É o passo almejado que o Papa Francisco está
impulsionando-nos, católicos, para fazer, e que os representantes de outras
Igrejas aqui presentes demonstram querer compartilhar.
Santo
Agostinho já tinha evidenciado que a comunhão eclesial se realiza em degraus e
pode ter diversos níveis: daquele pleno, visível e interior, àquele interior,
que é o próprio Espírito Santo. São Paulo abraçava em sua comunhão “todos que,
em qualquer lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e
nosso” (1Cor 1,2). Uma fórmula que talvez devamos redescobrir e voltar a
valorizar. Ela se estende hoje também aos nossos irmãos Judeus
messiânicos.
O
fenômeno pentecostal e carismático tem uma vocação e uma responsabilidade
particulares, em relação à unidade dos cristãos. A sua vocação ecumênica se
mostra ainda mais evidente, se repensarmos no que aconteceu no início da
Igreja. Como fez o Ressuscitado para impulsionar os apóstolos a acolher os
pagãos na Igreja? Deus mandou o Espírito Santo sobre Cornélio e sua casa do
mesmo modo e com as mesmas manifestações com que o tinha enviado no início
sobre os apóstolos. Assim, a Pedro não restou senão tirar a conclusão: “Deus
concedeu a eles o mesmo dom que deu a nós que acreditamos no Senhor Jesus
Cristo. Quem seria eu para me opor à ação de Deus?” (At 11,17). No concílio de
Jerusalém, Pedro repetiu este mesmo argumento: “Deus não fez nenhuma
distinção entre nós e eles” (At 15,9).
Agora,
nós vimos repetir-se diante de nossos olhos este mesmo prodígio, desta vez, em
escala mundial. Deus derramou seu Espírito sobre milhões de fiéis, pertencentes
a quase todas as denominações cristãs, e, a fim de que não restassem dúvidas
sobre suas intenções, derramou-O com as mesmas idênticas manifestações,
inclusive a mais singular, que é o falar em línguas. Também a nós, não resta
senão tirar a mesma conclusão de Pedro: “Se, portanto, Deus concedeu-lhes o
mesmo dom que a nós, quem somos nós para continuar a dizer de outros cristãos:
não pertencem ao corpo de Cristo, não são verdadeiros discípulos de Cristo?”.
*
* *
Devemos
ver em que consiste a via carismática à unidade. A nossa contribuição à unidade
é o amor recíproco. São Paulo traçou este programa à Igreja: “Ater-se à verdade
com a caridade” (Ef 4,15). O que temos que fazer não é passar por cima do
problema da fé e das doutrinas, para nos encontrarmos unidos nas frentes de
ação comum da evangelização. O ecumenismo tem experimentado, em seus inícios,
esta via, e constatou seu fracasso. As divisões logo reapareceram,
inevitavelmente, mesmo na frente de ação. Não devemos substituir
a caridade pela verdade, mas tender à verdade com a
caridade; começar a nos amarmos para melhor nos compreendermos.
O
que é mais extraordinário, a respeito desta via ecumênica baseada no amor, a
qual é imediatamente possível, é que que ela está totalmente aberta diante de
nós. Não podemos “queimar etapas” quanto à doutrina, pois as diferenças existem
e devem ser resolvidas com paciência, nos devidos lugares. Podemos, contudo,
queimar etapas na caridade, e ser unidos desde agora.
Não
apenas nada nos impede de nos amarmos e de nos acolhermos, ao contrário, é-nos
ordenado fazê-lo. É a única “dívida” que temos uns para com os outros, uma
dívida que não admite prorrogações no pagamento: “Não fiqueis devendo nada a
ninguém, a não ser o amor mútuo” (Rm 13,8). Nós podemos nos acolher para nos
amarmos, não obstante as diferenças. Cristo não nos ordenou amar apenas aqueles
que pensam como nós, que compartilham completamente o nosso credo. Se amais
apenas esses, exortou-nos, o que fazeis de especial, que já não fazem também os
pagãos?
Nós
podemos nos amar porque o que já nos une é infinitamente mais importante
daquilo que ainda nos divide. Une-nos a mesma fé em Deus Pai, Filho e Espírito
Santo; o Senhor Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem; a esperança comum da
vida eterna, o empenho comum pela evangelização, o amor comum pelo corpo de
Cristo, que é a Igreja.
Une-nos
também outra coisa importante: o sofrimento comum e martírio comum por Cristo.
Em muitas partes do mundo, os fiéis das diversas Igrejas estão compartilhando
os mesmos sofrimentos, suportando o mesmo martírio por Cristo. Eles não são
perseguidos e assassinados por serem católicos, anglicanos, pentecostais ou
outros, mas por serem “cristãos”. Aos olhos dos perseguidores, já somos um, e é
vergonha se não o somos também na realidade.
Como
fazer, concretamente, para pôr em prática esta mensagem de unidade e de amor?
Reconsideremos o hino à caridade de São Paulo (1Cor 13,4ss). Cada frase adquire
um significado atual e novo, se aplicada ao amor entre membros das diversas
Igrejas cristãs, nas relações ecumênicas:
“A
caridade é paciente...
A
caridade não se envaidece...
A
caridade não faz nada de inconveniente...
Não
é interesseira (subentende-se: também o interesse das outras Igrejas)Não leva
em conta o mal sofrido (subentende-se: por outros cristãos, mais ainda, o mal
feito a eles)”.
“Bem-aventurado
o servo – dizia São Francisco de Assis em uma de suas Admoestações – que não se
exalta mais por causa do bem que o Senhor diz e faz através dele do que pelo
que diz e faz através de outro”. Nós podemos dizer: Bem-aventurado o cristão
que é capaz de se alegrar pelo bem que Deus faz através de outras Igrejas, como
pelo bem que faz por meio da própria Igreja.
*
* *
O
profeta Ageu tem um oráculo que parece ser escrito para nós, neste momento da
história. O povo de Israel acabara de voltar do exílio, mas, ao invés de
reconstruir juntos a casa de Deus, cada qual se põe a reconstruir e adornar a
própria casa. Deus manda então seu profeta com uma mensagem de
reprovação:
Acaso
para vós é tempo de morardes em casas revestidas de lambris, enquanto esta
casa está em ruínas? Isto diz, agora, o Senhor dos exércitos: Considerai, com
todo o coração, a conjuntura que estais passando: tendes semeado muito, e
colhido pouco (...). Considerai, com todo o coração, a difícil conjuntura
que estais passando: mas subi ao monte, trazei madeira e edificai a casa;
ela me será aceitável, nela me glorificarei, diz o Senhor (Ag 1,4-8).
Devemos
sentir como dirigida a nós esta mesma reprovação de Deus, e nos arrepender.
Aqueles que escutaram o discurso de Pedro no dia de Pentecostes “ficaram com o
coração aflito, e perguntaram a Pedro e aos outros apóstolos: ‘Irmãos, o que
devemos fazer?’ Pedro respondeu: ‘Convertei-vos e cada um de vós seja batizado
em nome de Jesus Cristo para o perdão dos vossos pecados. E vós recebereis o
dom do Espírito Santo” (At 2,37ss). Uma renovada efusão de Espírito Santo não
será possível sem um movimento coletivo de arrependimento da parte de todos os
cristãos. Será uma das intenções de oração que terão lugar após este momento de
compartilha.
Depois
que as pessoas foram convertidas, o profeta Ageu foi enviado novamente ao povo,
mas desta vez com uma mensagem de encorajamento e de consolo:
Pois
agora, coragem, Zorobabel, oráculo do Senhor! Coragem, Josué, filho de Josedec!
Coragem, povo todo do país! – oráculo do Senhor. E mãos à obra, que eu estou
convosco – oráculo do Senhor dos exércitos. (...) O meu espírito estará
convosco, não tenhais medo!” (Ag 2,4-5).
A
mesma palavra de consolo é dirigida a nós, cristãos, e eu anseio fazê-la
ressoar novamente neste lugar, não como simples citação bíblica, mas como
palavra de Deus viva e eficaz que opera aqui e agora aquilo que significa:
“Coragem, Papa Francisco! Coragem, líderes e representantes de outras
confissões cristãs! Coragem, todo o povo de Deus, e mãos à obra, pois eu estou
convosco, diz o Senhor! O meu Espírito estará convosco”.
__________________________
Traduçao
de Fr. Ricardo Farias, OFMCap.
[1]
Santo Irineu, Contra as heresias, III, 17, 2.
[2] Martin Lutero, In
Genesin Enarrationes, WA, vol. 42, p. 411.
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