domingo, 25 de junho de 2017


Abrir o coração e deixar-se amar por Deus!

Deixar-se amar pelo Senhor com ternura é difícil, mas é o que se deve pedir a Deus. Este foi o convite lançado pelo Papa Francisco na Missa celebrada na manhã desta sexta-feira, 7, na Casa Santa Marta.
No dia em que a Igreja celebra a solenidade do Sagrado Coração de Jesus, o Papa falou várias vezes em sua homilia sobre o amor de Jesus pela humanidade. Ele destacou que a solenidade de hoje é festa do amor, de um coração que muito amou e recordou o que dizia Santo Inácio sobre o amor de Jesus: um amor que se manifesta mais nas obras do que nas palavras e é, sobretudo, mais dar do que receber.
“Esses dois critérios são como os pilares do verdadeiro amor de Deus. Ele conhece suas ovelhas uma a uma, porque não se trata de um amor abstrato, mas que se manifesta por cada um de nós”, disse.
Citando um trecho do Livro do Profeta Ezequiel, Francisco evidenciou outro aspecto do amor de Deus: o cuidado pela ovelha perdida e por aquela ferida e doente.
“Ternura! O Senhor nos ama com ternura. O Senhor conhece aquela bela ciência dos carinhos, a ternura. Não nos ama com as palavras. Ele se aproxima e nos dá o amor com ternura. Proximidade e ternura! E este é um amor forte, porque nos faz ver a fortaleza do amor de Deus”.
Francisco explicou ainda que este amor deve fazer-se próximo do outro, deve ser como o do bom samaritano. Ele concluiu dizendo que mais difícil que amar a Deus é deixar-se amar por Ele e que a maneira de retribuir tanto amor é abrir o coração e deixar-se amar.
“Deixar que Ele se faça próximo a nós, deixar que ele nos acaricie. É tão difícil deixar-nos amar por Ele. Talvez isso é o que devemos pedir hoje na Missa: ‘Senhor, eu quero amá-Lo, mas me ensine a difícil ciência, o difícil hábito de deixar-nos amar, de senti-Lo próximo e tenro!’. Que o Senhor no dê esta graça!”.Papa Fracisco
A Sagrada Eucaristia é um “segredo” que muitos cristãos ainda não conhecem com profundidade, por isso, não se beneficiam plenamente das suas graças. Há dois mil anos, Jesus está no meio de nós, escondido, e muitos ainda não O conhecem. O Papa São João Paulo II disse que “a Igreja vive de Jesus Eucarístico, por Ele é nutrida; por Ele é iluminada”. (Ecclesia de Eucaristia, 6).
O nosso Catecismo diz: “A Eucaristia é o coração e o ápice da vida da Igreja, pois nela Cristo associa sua Igreja e todos os seus membros a Seu sacrifício de louvor e de ação de graças oferecido, uma vez por todas, na cruz a Seu Pai; pelo Seu sacrifício, Ele derrama as graças da salvação sobre Seu corpo, que é a Igreja” (cf. n.1407).
Por que Jesus se esconde na Eucaristia? Muitos ficam angustiados, porque Ele esconde Sua Glória na Eucaristia. Mas Ele precisa fazer isso, para que o brilho de Sua Majestade não ofusque a nossa vista, impedindo-nos de chegar a Ele. O Senhor não pode mostrar o fulgor de Sua Glória, porque se o mostrasse, nós morreríamos. Nem mesmo podemos olhar para o Sol ao meio-dia! Ele se esconde para podermos nos achegar a Ele sem medo.
Jesus desce até o nada na hóstia para que desçamos com Ele e sintamos profundamente o que Ele disse: “Vinde a Mim, aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”. O amor exige a presença do Amado, a comunhão de bens e a união perfeita; por isso Jesus quis ficar na Eucaristia para estar conosco. Ele nos ama profundamente.
A Eucaristia é a maior prova de amor de Jesus. Ele a instituiu na noite em que foi traído. Deus quis ficar conosco para sempre, por causa de nossa fraqueza e miséria: “Eis que Eu estou convosco todos os dias”. (Mt 28,20). Por isso Ele pede: “Permanecei em Mim e Eu permanecerei em Vós, porque sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15,4-5).
Santo Agostinho disse que “Jesus, sendo Deus onipotente, não pôde dar mais; sendo sapientíssimo, não soube dar mais; e sendo riquíssimo, não teve mais o que dar.”
Jesus, no Sacrário, é o prisioneiro do Seu amor por nós. Pesava-Lhe a ideia de nos abandonar neste vale de lágrimas sem a Sua companhia. Por nós, Ele oferece ao Pai, continuamente, as Suas chagas, o Seu Sangue e Seu aniquilamento. Ele é a Hóstia, isto é, “vítima oferecida em sacrifício permanente”. Ali, Ele continua a salvar o homem de forma pessoal e misteriosa; ensina-nos a sermos humildes. Do Sacrário, Ele governa o universo com amor. Não sofre mais na Hóstia, mas está em permanente estado de sacrifício. Ali, Ele se compadece de todos que se aproximam, porque a todos quer salvar. Não há dor que não seja amenizada diante d’Ele. São Paulo relata o que recebeu de Jesus:
“O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: ‘Tomai e comei; isto é o meu corpo, que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim’. Igualmente também, depois de ter ceado, tomou o cálice e disse: ‘Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto em memória de mim todas as vezes que o beberdes'” (1Cor 11,23-29).
Na Santa Missa, temos a perpetuação, a atualização, a presentificação do sacrifício da cruz (Cat. n. 1323); a Missa nos une à liturgia do céu e antecipa a vida eterna; é o céu na terra (n. 1326).
A multiplicação dos pães e o milagre das bodas de Caná são sinais da Eucaristia.
Santo Inácio de Antioquia, mártir do império romano (†102), disse: “Esforçai-vos, portanto, por vos reunir mais frequentemente, para celebrar a Eucaristia de Deus e o seu louvor. Pois quando realizais frequentes reuniões, são aniquiladas as forças de Satanás e se desfaz seu malefício por vossa união na fé. Nada há melhor do que a paz, pela qual cessa a guerra das potências celestes e terrestres.” (Carta aos Efésios)
Quanto mais amarmos Jesus Eucarístico, mais seremos semelhantes a Ele. Se Ele pudesse, sem dúvida, derramaria lágrimas copiosas no Sacrário por cada um de nós.
Foi preciso que um ladrão adorasse Sua divindade e proclamasse Sua inocência; foi preciso que a natureza chorasse o seu Criador, já que os homens não o fizeram.
À Consolata Bertone Ele perguntou: “O que mais Eu poderia ter feito por vós?”.
Ninguém é digno de receber Deus em Seu Corpo e Alma, mas Ele quer vir a nós. Então, precisamos comungar com as “disposições necessárias”, isto é, estar em “estado de graça”, sem pecados graves, recebê-Lo com profunda devoção e fazer a ação de graças ao menos por quinze minutos. Sem isso, a presença d’Ele em nossa alma não produzirá os frutos de salvação.
Não se preocupe em sentir nada na comunhão; apenas creia pela fé. Ele disse: “Isso é o meu corpo”. Basta. Não precisamos de mais nada. “Felizes aqueles que crêem sem ter visto… Não seja incrédulo, mas homem de fé” (Jo 20, 28-29).
São Cirilo de Jerusalém (315-386), nas suas pregações na Basílica do Santo Sepulcro, falava aos fiéis: “Ao comungarmos o Corpo de Cristo, tornamo-nos “cristóforos”, ou seja, portadores de Cristo”.
Santo Agostinho (354-430) chamava a Eucaristia de “o pão de cada dia, que se torna como o remédio para a nossa fraqueza de cada dia.” E ainda: “Ó reverenda dignidade do sacerdote, em cujas mãos o Filho de Deus se encarna como no Seio da Virgem”. “A virtude própria deste alimento divino é uma força de união que nos une ao Corpo do Salvador e nos faz seus membros, a fim de que nos transformemos naquilo que recebemos”.
São Cipriano de Cartago (†258), durante a perseguição romana, dizia: “Os fiéis bebem diariamente do cálice do Senhor, para que possam também eles derramar o seu sangue por Cristo” (Epistola 56, n. 1).
Todos os Santos foram devotos da Eucaristia; aprendamos com eles:
São Jerônimo (348-420), doutor da Igreja, assim falou da Missa: “Nosso Senhor nos concede tudo o que lhe pedimos na Santa Missa: o que mais vale é que nos dá ainda o que nem sequer cogitamos pedir-Lhe e que, entretanto, nos é necessário”.
São João Maria Vianney, patrono dos párocos: “Se conhecêssemos o valor do Santo Sacrifício da Missa, que zelo não teríamos em assistir a ela!”. “Cada Hóstia consagrada é feita para se consumir de amor em um coração humano”.
São Bernardo de Claraval (1090-1153), doutor da Igreja: “Fica sabendo, ó cristão, que mais merece ouvir devotamente uma só Missa do que distribuir todas as riquezas aos pobres e peregrinar toda a terra”. “A comunhão reprime as nossas paixões: ira e sensualidade principalmente”. “Quando Jesus está presente corporalmente em nós, ao redor de nós, montam guarda de amor os anjos”.
Santa Teresa D’Avila (1515-1582), doutora da Igreja: “Não há meio melhor para se chegar à perfeição”.“Não percamos tão grande oportunidade para negociar com Deus. Ele [Jesus] não costuma pagar mau a hospedagem se o recebemos bem”. “Devemos estar na presença de Jesus Sacramentado, como os Santos no céu, diante da Essência Divina”. “É pelo preparo do aposento que se conhece o amor de quem acolhe o seu amado”, dizia Santa Tereza.
São Tomás de Aquino (1225-1274): “A Comunhão destrói a tentação do demônio”.
São João Crisóstomo (349-407), doutor da Igreja: “A Eucaristia dá-nos uma grande inclinação para a virtude, uma grande paz e torna mais fácil o caminho para a santificação”.“Deu-se todo não reservando nada para si”. “Não comungar seria o maior desprezo a Jesus que se sente “doente de amor” (Ct 2,4-5)”.
Santo Ambrósio (340-397), doutor da Igreja: “Eu que sempre peco, preciso sempre do remédio ao meu alcance.”
São Gregório Nazianzeno (330-379), doutor da Igreja: “Este pão do céu requer-se que se tenha forme. Ele quer ser desejado”.“O Santíssimo Sacramento é fogo que nos inflama, de modo que, retirando-no do altar, espargimos tais chamas de amor que nos tornam terríveis ao inferno.”
Santo Agostinho (354-430), doutor da Igreja: “Ele se esconde, porque quer ser procurado”. “Não somos nós que transformamos Jesus Cristo em nós, como fazemos com os outros alimentos que tomamos, mas é Jesus Cristo que nos transforma n’Ele”. “Na Eucaristia, Maria perpetua e estende a sua maternidade.”
Santo Afonso de Ligório (1696-1787), doutor da Igreja: “A comunhão diária não pode conviver com o desejo de aparecer, vaidade no vestir, prazeres da gula, comodidades, conversas frívolas e maldosas. Exige oração, mortificação e recolhimento.”
“Ficai certos de que todos os instantes da vossa vida, o tempo que passardes diante do Divino Sacramento será o que vos dará mais força durante a vida, mais consolação na hora da morte e durante a eternidade”.
Santa Maria Madalena de Piazzi: “Tempo mais apropriado para crescer no amor de Deus”.”Os minutos que vêm depois da comunhão – dizia a santa – são os mais preciosos que temos em nossa vida; os mais apropriados de nossa parte para entender-nos com Deus e, da parte de Deus, para comunicar-nos o seu amor”.
Santa Teresinha (1873-1897), doutora da Igreja: “Não é para ficar numa âmbula de ouro, que Jesus desce cada dia do céu, mas para encontrar um outro céu, o da nossa alma, onde ele encontra as sua delícias”.
“Quando o demônio não pode entrar com o pecado no santuário de uma alma, quer, pelo menos, que ela fique vazia, sem dono e afastada da comunhão.”
Santa Margarida Maria Alacoque: “Nós não saberíamos dar maior alegria ao nosso inimigo, o demônio, do que afastando-nos de Jesus, o qual lhe tira o poder que ele tem sobre nós.”
São Filipe Neri: “A devoção ao Santíssimo Sacramento e a devoção à Santíssima Virgem são, não o melhor, mas o único meio para se conservar a pureza. Somente a comunhão é capaz de conservar um coração puro aos 20 anos. Não pode haver castidade sem a Eucaristia.”
Santa Catarina de Gênova: “O tempo passado diante do Sacrário é o tempo mais bem empregado da minha vida”.
São João Bosco: “Não omitais nunca a visita a cada dia ao Santíssimo Sacramento, ainda que seja muito breve, mas contanto que seja constante.”
Chiara Lubic: “Enquanto existir a Eucaristia eu nunca estarei só. Enquanto existir um sacrário, não terei solidão”.

La madre Fondatrice attribuia tutto Il bene operato, Le difficoltá superate e la forza nell´accettare serenamente i disprezzi, le afflizioni e le contraddizioni “agli effetti della comunione frequente” e diceva: “ é qui dove prenderete la forza contro le tentazioni  e ritroverete il mezzo piú potente e facile da farvi sante e presto sante”.

domingo, 4 de junho de 2017

VIGÍLIA ECUMÊNICA DE PENTECOSTES

 “Todos nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na nossa própria língua” foi o tema da Pregação do Frei Raniero Cantalamessa na Vigília ecumênica de Pentecostes realizada no Circo Máximo, em Roma, na presença do Papa Francisco.
Dos Atos dos Apóstolos, capítulo Dois:
“Moravam em Jerusalém judeus devotos, de todas as nações do mundo. Quando ouviram o barulho, juntou-se a multidão, e todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua. Cheios de espanto e de admiração, diziam: ‘Esses homens que estão falando não são todos galileus? Como é que nós os escutamos na nossa própria língua? Nós que somos partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia, próxima de Cirene, também romanos que aqui residem; judeus e prosélitos, cretenses e árabes, todos nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na nossa própria língua!’ Todos estavam pasmos e perplexos, e diziam uns aos outros: ‘Que significa isso?’ ” (At 2, 5-13).
Esta cena se renova hoje entre nós. Também nós viemos “de todas as nações do mundo”, e estamos aqui para proclamar juntos “as maravilhas de Deus”.
Porém, há um mensagem a se descobrir nesta parte da narrativa de Pentecostes. Desde a antiguidade, entendeu-se que o autor dos Atos – ou seja, em primeiro lugar, o Espírito Santo! – com esta insistência no fenômeno das línguas, quis fazer-nos entender que, em Pentecostes, aconteceu algo que inverte o que tinha acontecido em Babel. O Espírito transforma o caos linguístico de Babel na nova harmonia das vozes. Graças a ele, escrevia Santo Irineu no século III, “todas as línguas se uniram no mesmo louvor de Deus”[1]. Isso explica porque a narrativa de Babel, em Gênesis 11, é tradicionalmente inserida entre as leituras bíblicas da vigília de Pentecostes.
Os construtores de Babel não eram, como se pensava há algum tempo, ímpios que pretendiam desafiar Deus, algo equivalente aos titãs da mitologia grega. Não, eram homens piedosos e religiosos. A torre que queriam construir era um templo à divindade, um daqueles templos feitos em terraços sobrepostos, chamados zigurates, dos quais ainda restam ruínas na Mesopotâmia.
Então, onde estava seu pecado? Escutemos o que dizem entre si ao porem mãos à obra: “E disseram: ‘Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja o céu. Assim, ficaremos famosos, e não seremos dispersos por toda a face da terra’ ” (Gn 11,4). Martinho Lutero faz uma observação esclarecedora a propósito destas palavras:
“ ‘Construamo-nos uma cidade e uma torre’: construamos para nós – não para Deus (…). ‘Façamos um nome’: façamo-lo para nós. Não se preocupam para que o nome de Deus seja glorificado, eles estão preocupados em engrandecer o próprio nome”[2].
Em outras palavras, Deus é instrumentalizado; deve servir à sua vontade de potência. Pensavam, talvez, segundo a mentalidade do tempo, que oferecendo sacrifícios a partir de uma maior altitude, poderiam arrancar da divindade vitórias sobre os povos vizinhos. Eis porque Deus é forçado a confundir suas línguas e mandar pelos ares o projeto deles.
Isso faz, de um só golpe, a experiência de Babel e de seus construtores muito próxima a nós. O quanto das divisões entre os cristãos foi devido ao desejo secreto de fazer-nos um nome, de nos elevarmos acima dos outros, de tratar com Deus a partir de uma posição de superioridade em relação aos demais! O quanto foi devido ao desejo de fazer para si um nome, ou de fazê-lo em nome da própria Igreja, mais do que a Deus! Eis aqui a nossa Babel!
Passemos, agora, a Pentecostes. Também aqui vemos um grupo de homens, os apóstolos, que se põem a construir uma torre que vai da terra ao céu, a Igreja. Em Babel, ainda se falava uma única língua e, em um dado momento, ninguém compreende mais o outro; aqui, todos falam línguas diversas, e todos entendem os apóstolos. Por quê? É que o Espírito Santo operou neles uma revolução copernicana.
Antes deste momento, também os apóstolos estavam preocupados em se fazer um nome e, por isso, discutiam frequentemente “quem fosse o maior entre eles”. Agora, o Espírito Santo lhes descentralizou de si mesmos e reorientou-os em Cristo. O coração de pedra foi despedaçado e, em seu lugar, bate “um coração de carne” (Ez 36,26). Foram “batizados no Espírito Santo”, como tinha prometido Jesus antes de deixá-los (At 1,8), isto é, completamente submersos pelo oceano do amor de Deus derramado sobre eles (cf. Rm 5,5).
Estão deslumbrados pela glória de Deus. O falar em diversas línguas se explica também pelo fato de que falavam com a língua, com os olhos, com o rosto, com as mãos, com o estupor de quem viu coisas que não podem narrar. “Todos nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na nossa própria língua”. Eis porque todos os compreendiam: não falavam mais de si mesmos, mas de Deus!
Deus nos chama a atuar em nossa vida a mesma conversão: de nós mesmos a Deus, da pequena unidade que é a nossa paróquia, o nosso movimento, a nossa própria Igreja, à grande unidade que é aquela do corpo inteiro de Cristo, ou seja, a humanidade inteira. É o passo almejado que o Papa Francisco está impulsionando-nos, católicos, para fazer, e que os representantes de outras Igrejas aqui presentes demonstram querer compartilhar.
Santo Agostinho já tinha evidenciado que a comunhão eclesial se realiza em degraus e pode ter diversos níveis: daquele pleno, visível e interior, àquele interior, que é o próprio Espírito Santo. São Paulo abraçava em sua comunhão “todos que, em qualquer lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1Cor 1,2). Uma fórmula que talvez devamos redescobrir e voltar a valorizar. Ela se estende hoje também aos nossos irmãos Judeus messiânicos.
O fenômeno pentecostal e carismático tem uma vocação e uma responsabilidade particulares, em relação à unidade dos cristãos. A sua vocação ecumênica se mostra ainda mais evidente, se repensarmos no que aconteceu no início da Igreja. Como fez o Ressuscitado para impulsionar os apóstolos a acolher os pagãos na Igreja? Deus mandou o Espírito Santo sobre Cornélio e sua casa do mesmo modo e com as mesmas manifestações com que o tinha enviado no início sobre os apóstolos. Assim, a Pedro não restou senão tirar a conclusão: “Deus concedeu a eles o mesmo dom que deu a nós que acreditamos no Senhor Jesus Cristo. Quem seria eu para me opor à ação de Deus?” (At 11,17). No concílio de Jerusalém, Pedro repetiu este mesmo argumento:  “Deus não fez nenhuma distinção entre nós e eles” (At 15,9).
Agora, nós vimos repetir-se diante de nossos olhos este mesmo prodígio, desta vez, em escala mundial. Deus derramou seu Espírito sobre milhões de fiéis, pertencentes a quase todas as denominações cristãs, e, a fim de que não restassem dúvidas sobre suas intenções, derramou-O com as mesmas idênticas manifestações, inclusive a mais singular, que é o falar em línguas. Também a nós, não resta senão tirar a mesma conclusão de Pedro: “Se, portanto, Deus concedeu-lhes o mesmo dom que a nós, quem somos nós para continuar a dizer de outros cristãos: não pertencem ao corpo de Cristo, não são verdadeiros discípulos de Cristo?”.
*   *   *
Devemos ver em que consiste a via carismática à unidade. A nossa contribuição à unidade é o amor recíproco. São Paulo traçou este programa à Igreja: “Ater-se à verdade com a caridade” (Ef 4,15). O que temos que fazer não é passar por cima do problema da fé e das doutrinas, para nos encontrarmos unidos nas frentes de ação comum da evangelização. O ecumenismo tem experimentado, em seus inícios, esta via, e constatou seu fracasso. As divisões logo reapareceram, inevitavelmente, mesmo na frente de ação. Não devemos substituir a caridade pela verdade, mas tender à verdade com a caridade; começar a nos amarmos para melhor nos compreendermos.
O que é mais extraordinário, a respeito desta via ecumênica baseada no amor, a qual é imediatamente possível, é que que ela está totalmente aberta diante de nós. Não podemos “queimar etapas” quanto à doutrina, pois as diferenças existem e devem ser resolvidas com paciência, nos devidos lugares. Podemos, contudo, queimar etapas na caridade, e ser unidos desde agora.
Não apenas nada nos impede de nos amarmos e de nos acolhermos, ao contrário, é-nos ordenado fazê-lo. É a única “dívida” que temos uns para com os outros, uma dívida que não admite prorrogações no pagamento: “Não fiqueis devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo” (Rm 13,8). Nós podemos nos acolher para nos amarmos, não obstante as diferenças. Cristo não nos ordenou amar apenas aqueles que pensam como nós, que compartilham completamente o nosso credo. Se amais apenas esses, exortou-nos, o que fazeis de especial, que já não fazem também os pagãos?
Nós podemos nos amar porque o que já nos une é infinitamente mais importante daquilo que ainda nos divide. Une-nos a mesma fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo; o Senhor Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem; a esperança comum da vida eterna, o empenho comum pela evangelização, o amor comum pelo corpo de Cristo, que é a Igreja.
Une-nos também outra coisa importante: o sofrimento comum e martírio comum por Cristo. Em muitas partes do mundo, os fiéis das diversas Igrejas estão compartilhando os mesmos sofrimentos, suportando o mesmo martírio por Cristo. Eles não são perseguidos e assassinados por serem católicos, anglicanos, pentecostais ou outros, mas por serem “cristãos”. Aos olhos dos perseguidores, já somos um, e é vergonha se não o somos também na realidade.
Como fazer, concretamente, para pôr em prática esta mensagem de unidade e de amor? Reconsideremos o hino à caridade de São Paulo (1Cor 13,4ss). Cada frase adquire um significado atual e novo, se aplicada ao amor entre membros das diversas Igrejas cristãs, nas relações ecumênicas:
“A caridade é paciente...
A caridade não se envaidece...
A caridade não faz nada de inconveniente...
Não é interesseira (subentende-se: também o interesse das outras Igrejas)Não leva em conta o mal sofrido (subentende-se: por outros cristãos, mais ainda, o mal feito a eles)”.
“Bem-aventurado o servo – dizia São Francisco de Assis em uma de suas Admoestações – que não se exalta mais por causa do bem que o Senhor diz e faz através dele do que pelo que diz e faz através de outro”. Nós podemos dizer: Bem-aventurado o cristão que é capaz de se alegrar pelo bem que Deus faz através de outras Igrejas, como pelo bem que faz por meio da própria Igreja.
*    *    *
O profeta Ageu tem um oráculo que parece ser escrito para nós, neste momento da história. O povo de Israel acabara de voltar do exílio, mas, ao invés de reconstruir juntos a casa de Deus, cada qual se põe a reconstruir e adornar a própria casa.  Deus manda então seu profeta com uma mensagem de reprovação:
Acaso para vós é tempo de morardes em casas revestidas de lambris, enquanto esta casa está em ruínas? Isto diz, agora, o Senhor dos exércitos: Considerai, com todo o coração, a conjuntura que estais passando:  tendes semeado muito, e colhido pouco (...). Considerai, com todo o coração, a difícil conjuntura que estais passando: mas subi ao monte, trazei madeira e edificai a casa; ela me será aceitável, nela me glorificarei, diz o Senhor (Ag 1,4-8).
Devemos sentir como dirigida a nós esta mesma reprovação de Deus, e nos arrepender. Aqueles que escutaram o discurso de Pedro no dia de Pentecostes “ficaram com o coração aflito, e perguntaram a Pedro e aos outros apóstolos: ‘Irmãos, o que devemos fazer?’ Pedro respondeu: ‘Convertei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para o perdão dos vossos pecados. E vós recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2,37ss). Uma renovada efusão de Espírito Santo não será possível sem um movimento coletivo de arrependimento da parte de todos os cristãos. Será uma das intenções de oração que terão lugar após este momento de compartilha.
Depois que as pessoas foram convertidas, o profeta Ageu foi enviado novamente ao povo, mas desta vez com uma mensagem de encorajamento e de consolo:
Pois agora, coragem, Zorobabel, oráculo do Senhor! Coragem, Josué, filho de Josedec! Coragem, povo todo do país! – oráculo do Senhor. E mãos à obra, que eu estou convosco – oráculo do Senhor dos exércitos. (...) O meu espírito estará convosco, não tenhais medo!” (Ag 2,4-5).
A mesma palavra de consolo é dirigida a nós, cristãos, e eu anseio fazê-la ressoar novamente neste lugar, não como simples citação bíblica, mas como palavra de Deus viva e eficaz que opera aqui e agora aquilo que significa: “Coragem, Papa Francisco! Coragem, líderes e representantes de outras confissões cristãs! Coragem, todo o povo de Deus, e mãos à obra, pois eu estou convosco, diz o Senhor! O meu Espírito estará convosco”.
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Traduçao de Fr. Ricardo Farias, OFMCap.
[1] Santo Irineu, Contra as heresias, III, 17, 2.
[2] Martin Lutero,  In Genesin Enarrationes, WA, vol. 42, p. 411.