domingo, 7 de julho de 2019


ESTAR NO MUNDO À MANEIRA DE JESUS



...e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde Ele própria devia ir” (Lc 10,1).
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 14° Domingo do Tempo Comum - Ciclo C (07/07/2019) que corresponde ao texto bíblico de Lucas 10,1-12.17-20.

Ainda carregamos resquícios de uma falsa visão da santidade como afastamento do mundo e de seus perigos e buscar refúgio no deserto, nas montanhas ou nos conventos. O(a) santo(a) não se afasta do mundo para encontrar a Deus; ele(ela) faz a “experiência” do Deus agindo no mundo.
Aí O encontra e caminha com Ele; o(a) santo(a) é aquele(a) que faz o que Deus faz neste mundo, aquele que faz com que este mundo seja justo, santo, salvo. O mundo não é só o “habitat” da sua missão: é sobretudo a fonte da sua espiritualidade, o lugar certo para encontrar a Deus e escutar o Seu chamado.
Pondo-nos na escola do Evangelho, é aqui, neste mundo, que Jesus nos chama a estender o Reinado do Pai, trabalhando cada dia como amigos seus que passam, observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos.
Apaixonados pelo Reino, nos apaixonamos pelo mundo que, em sua diversidade, riqueza, simplicidade, profundidade, fragilidade, sabedoria... nos fala com novos traços do Deus que buscamos com desvelo. E amando e investigando tudo o que é do mundo, adoramos o Deus Santo que habita em tudo.
O(a) santo(a) seguidor(a) de Jesus é aquele(a) que, na liberdade, afirma: “Fora do mundo não há salvação”. Ele(ela) descobre na realidade do mundo e da história os “sinais dos tempos” e entra em comunhão com tudo, porque tudo é “diafania” de Deus. Enraíza sua convicção nesta visão, nesta mística da presença de Deus em sua obra, na contemplação de um mundo chamado a re-converter-se em justo e belo, verdadeiro e pacífico, unido e reconciliado, entranhado em Deus, como no primeiro dia da Criação.
A vocação à santidade ativa em nós a paixão pelo Reino, mobilizando-nos a levar adiante a missão, a ir aos lugares do mundo onde há mais necessidade e ali realizar obras duradouras de maior proveito e fruto.
Como seguidores(as) de Jesus, movidos(as) por um olhar novo, entramos em comunhão com a realidade tal como ela é. Trata-se de olhar o mundo como “sacramento de Deus”. Um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança que existem no mundo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, compassivo e por isso gerador de misericórdia; olhar que compromete solidariamente.
O(a) discípulo(a) missionário(a) não é aquele(a) que, por medo, se distancia do mundo, mas é aquele(a) que, movido(a) por uma radical paixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se encarna e aí revela os traços da velada presença do Inefável; o mundo já não é percebido como ameaça ou como objeto de conquista, mas como dom pelo qual Deus mesmo se faz encontrar. O mundo não é lugar da exploração e da depredação, mas é o lugar da receptividade, da oferenda e do encontroinspirador.
Para realizar esta nobre missão, não podemos permanecer sentados. Seguir Jesus exige de nós uma dinâmica continuada, um colocar-nos a caminho em direção às margens. Não podemos viver o chamado do “Rei Eterno” a partir de uma cômoda instalação pessoal. A disponibilidade, o despojamento e a mobilidade são exigências básicas.
Corremos o risco de viver em mundos-bolha; podemos construir nossa vida encapsulada em espaços feitos de hábito e segurança, convivendo com pessoas semelhantes a nós e dentro de situações estáveis. É difícil romper e sair do terreno conhecido, deixar o convencional. Tudo parece conspirar para que nos mantenhamos dentro dos limites politicamente corretos. Todos podemos terminar estabelecendo fronteiras vitais e sociais impermeáveis ao diferente. Se isso acontece, acabamos tendo perspectivas pequenas, visões atrofiadas e horizontes limitados, ignorando um mundo amplo, complexo e cheio de surpresas. Muitas vezes “vemos” o diferente, mas só como notícia, como o olhar do espectador que sabe das “coisas que acontecem”, mas não sente e nem se compadece por elas.
Viver a santidade no mundo de hoje nos move a encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações…; escutar outros relatos que trazem muita luz para a nossa própria vida. Olhar a partir de um horizonte mais amplo, ajuda a relativizar nossos próprios absolutos e deixar-nos impactar pelos valores presentes no outro.
Escutar de tal maneira que o que ouvimos penetra na nossa própria vida; isso significa implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas. Acolher na nossa própria vida outras vidas; abrir espaços para que as histórias dos excluídos e diferentes encontrem morada nas nossas entranhas, na nossa memória e no nosso coração.
O encontro com o diferente possibilita também o encontro consigo mesmo, ou seja, encontrar a própria verdade. Isso implica em se perguntar pela própria identidade, por aquilo que dá sentido à própria vida, o impulso por viver de uma maneira cristificada, conforme os valores do Reino.
Para que haja verdadeiro encontro com o outro, o deslocamento ex-põe quem se desloca, deixa-o vulnerável e “contaminado” pela realidade que encontrou. Quando alguém se desloca e se aproxima de realidades diferentes, é para encontrar, encontrar-se e aprender.
Como discípulos(as)-missionários(as) de Jesus, nosso desafio não é fugir da realidade, mas aproximarmos dela com todos os nossos sentidos bem abertos para olhar e contemplar, escutar e acolher, percebendo no mais profundo dela a presença ativa do Deus que nos ama com criatividade infinita, para encontrar-nos com Ele e trabalhar juntos por seu Reino. O mundo precisa de místicos(as) santos(as) que descubram onde está Deus criando algo novo, para proclamar esta boa notícia.
Nós cristãos honramos a santidade universal sem fronteiras de raça, de credo, de cultura...
Santidade é dizer sim à vida; é um caminho a ser percorrido “de dois em dois”.
Porquê esta insistência em fazer o caminho ao menos junto a outro(a)? Do envio dos discípulos e discípulas de dois em dois, podemos tirar duas consequências: uma para os momentos de fragilidade, de cansaço e de desânimo; a outra para quando nos sobrevém inesperadamente a luz, a alegria...
Precisamos fazer o caminho em companhia para poder estendermos a mão quando caímos, para aprender a sustentar mutuamente... E, também de “dois em dois” para ter alguém ao nosso lado com quem poder brindar, porque é uma ação que não é possível realizá-la sozinhos. Celebrar, agradecer, brindar a vida... para isso, quanto mais companheiros(as) de estrada, melhor. 
Para meditar na oração:
Todas as narrativas acerca do chamado conservam a marca intencional de um encontrosurpreendente, inesperado e expansivo: deixar a vida estreita para entrar no amplo espaço de vida proposto por Jesus.
- Diante de Jesus, que “passa e chama” a todos, responda: como você vive, hoje, sua missão no trabalho, no seu ambiente, na sua comunidade? Que sentido você quer dar à sua própria vida?... em quê gastar suas forças, capacidades? Como viver, no seu cotidiano, sua vocação de discípulo(a)-missionário(a)?

“Não levem bolsa, nem sacola, nem sandálias”

A liturgia deste domingo continua a leitura do texto do domingo passado, sobre o evangelho de Lucas. Ao redor de Jesus estão vários discípulos e discípulas e Jesus lhesconfia uma importante missão: aquilo que receberam e vivem por estarem junto a Jesus deve ser comunicado! A comunicação da Boa Nova não é para um grupo de pessoas exclusivas, únicas e especialmente escolhidas. Ser missionários do Evangelho é para todos os cristãos e cristãs que recebem esta mensagem, porque a mensagem de Jesus é para todas as pessoas que estão ao nosso lado.
O início do texto diz que Jesus escolhe setenta e dois discípulos e os envia como missionários, para sua presença salvadora no meio do povo. Mas este envio está acompanhado de algumas importantes recomendações para serem tidas em conta por todo missionário em qualquer momento da sua vida e da vida das comunidades. Jesus sabe que os envia “como cordeiros para o meio de lobos”. Mas devem fazê-lo com urgência, com simplicidade e com amor. Lembre-se de que este trecho do evangelho de Lucas situa-se no caminho de Jesus para Jerusalém.
As palavras que Lucas coloca nos lábios de Jesus, “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos”, revela o olhar, a atitude que o evangelizador/a deve ter. A missão não começa com eles/as; antes de chegar a qualquer lugar, Deus já está trabalhando no coração desse povo. Ele é o grande semeador, que não só “lança” as sementes do Reino, mas também o mantém com seu amor e graça. Por isso, o evangelista fala que a colheita é grande, mas é necessário ter olhos para descobrir seus frutos.
A seguir disse-lhes: Não levem bolsa, nem sacola, nem sandálias. Estas são três recomendações fundamentais: a bolsa faz referência ao dinheiro, a sacola à alimentação e as sandálias à vestimenta. Desta forma os cristãos são pessoas livres, sem ficar presos e carregados daquilo que no final incomoda, mas que contribui para serem missionários. No momento histórico que o evangelho de Lucas foi escrito, existiam em Roma muitas formas de religião, de espiritualidade, de adoração aos deuses que eram usadas como forma de sustento, para obter dinheiro. Jesus apresenta-lhes com muita clareza que sua mensagem gera liberdade naquele que a comunica e nas pessoas que a recebem. Não é um trabalho, é uma vida que se gesta nas pessoas. Hoje ao nosso redor também há muitas formas de religião, de espiritualidade, que usam a simplicidade e a fé das pessoas para seu próprio bem-estar e para obter benefícios pessoais. Por isso somente pessoas livres são capazes de comunicar realmente a Boa Nova do Reino!
O cristão missionário torna-se testemunha desta proposta de salvação que liberta e que é para todos os homens e mulheres ao longo da história. É uma tarefa que se realiza em comunidade, não é individual. A comunidade toda é testemunho de vida que salva e gera mais vida.
O evangelho narra que os discípulos/as são enviados dois a dois, porque a Bíblia não reconhece significação à afirmação de uma só pessoa! Para ela não há mais testemunho que o comunitário (cfr. Dt 17,6;19,15), ainda que a comunidade fique reduzida a duas pessoas.
A missão é urgente e nada pode freá-la: não parem no caminho. Os/as missionários/as não devem forçar ninguém para que os escutem, mas têm o dever de anunciar a boa nova do Reino, todos/as têm direito a escutar sua proposta de Vida. A mensagem central do Reino de Deus é a paz, no sentido abrangente que esta palavra tem na Bíblia: a harmonia total entre Deus e os seres humanos e dos seres humanos entre si.
Olhamos ao nosso redor. Quanta necessidade de paz tem nosso mundo, nosso país! E o Reino está ali nesse mundo, buscando crescer. Temos olhos para vê-lo? Temos ousadia para colaborar na sua luta pela vida e dignidade de todos/as e tudo?
Jesus autorizou, com seu poder, a primeira comunidade a realizar o mesmo que ele fazia. É interessante que Jesus não enviou ninguém para falar sobre ele ou trazer as pessoas para ele, mas disse-lhes que podiam fazer exatamente o que ele fazia, podiam curar um ao outro, compartilhar a sua comida e, por conseguinte, trazer o Reino para o seu meio!
Hoje o Ressuscitado pelo seu Espírito continua no meio de sua comunidade, enviando-a permanentemente para continuar o movimento do Reino de Deus. Viver essa missão é a alegria dos/as discípulos/as, porque podem, em seu agir missionário, contemplar a ação de Deus, agindo em sua pequenez, obrando maravilhas, milagres!
Podemos perguntar-nos: quais são os milagres que vemos acontecer através da ação de nossa comunidade eclesial, de tantos homens e mulheres cristãos/as ao longo do mundo?

Oração

Dá-nos, Senhor, aquela Paz inquieta que denuncia a
Paz dos cemitérios e a Paz dos lucros fartos.
Dá-nos a Paz que luta pela Paz!
Paz que nos sacode com a urgência do Reino.
A Paz que nos invade, com o vento do Espírito, 
a rotina do medo, o sossego das praias
e a oração de refúgio.
Paz das armas rotas na derrota das armas.
A Paz do pão da fome de justiça,
a Paz da liberdade conquistada,
a Paz que se faz “nossa” sem cercas nem fronteiras,
que tanto é “Shalom” como “Salam”, 
perdão, retorno, abraço...
Dá-nos a tua Paz, essa Paz marginal que soletra
Em Belém e agoniza na Cruz e triunfa na Páscoa.
Dá-nos, senhor, aquela Paz inquieta,
que não nos deixa em paz!
Pedro Casaldáliga

III)«PONHAM-SE A CAMINHO»                       PORTADORES DO EVANGELHO


Mesmo que o esqueçamos, duma e outra vez, a Igreja está marcada pelo envio de Jesus. Por isso é perigoso concebê-la como uma instituição fundada para cuidar e desenvolver sua própria religião. A imagem de um movimento profético que caminha pela história segundo a lógica do envio responde melhor ao desejo original de Jesus: sair de si mesmo, pensando nos outros, servindo ao mundo a Boa Nova de Deus. «A Igreja não está aí para si mesma, mas para a humanidade» (Bento XVI).
Por isso, hoje, é tão perigosa a tentação de nos voltarmos sobre os nossos próprios interesses, o nosso passado, as nossas aquisições doutrinais, as nossas práticas e costumes. Mais ainda, todavia, se o fazemos endurecendo a nossa relação com o mundo. Que é uma Igreja rígida, anquilosada, encerrada em si mesma, sem profetas de Jesus nem portadores do Evangelho?
"Quando entrarem numa cidade... curem os doentes que nela houver e digam ao povo: ‘O Reino de Deus está próximo de vocês!"
Esta é a grande notícia: Deus está próximo de nós animando-nos a fazer mais humana a nossa vida. Mas não basta afirmar uma verdade para que seja atrativa e desejável. É necessário rever a nossa atuação: que é que pode levar hoje as pessoas até ao Evangelho? Como podem captar Deus como algo novo e bom?
Seguramente, falta-nos amor ao mundo atual e não sabemos chegar ao coração do homem e da mulher de hoje. Não basta predicar sermões desde o altar. Temos que aprender a escutar mais, acolher, curar a vida dos que sofrem... só assim encontraremos palavras humildes e boas que aproximem esse Jesus cuja ternura insondável nos coloca em contato com Deus, o Pai Bom de todos.
«Quando entrarem numa casa, digam primeiro: Paz a esta casa»
A Boa Nova de Jesus comunica-se com respeito total, desde uma atitude amistosa e fraterna, contagiando paz. É um erro pretender impor a partir da superioridade, da ameaça ou do ressentimento. É antievangélico tratar sem amor as pessoas só porque não aceitam a nossa mensagem. Mas, como o aceitarão se não se sentem compreendidos por aqueles que se apresentam em nome de Jesus?
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