quarta-feira, 26 de setembro de 2018


Pai-Nosso: um desejo que é oração, uma oração que é desejo


“Um dia, num certo lugar, estava Jesus a orar” (Lc. 11,1)

Na convivência com os “escolhidos seus” Jesus foi transparente e presença marcante. Chamou-os para “ficar com Ele”, aprender d’Ele a serem testemunhas de seu Amor incondicional ao Pai e aos irmãos. Entre os inúmeros desejos e aspirações que Jesus suscitou, uma foi a grande aventura de aprender a orar.

Jesus orava. Orava só, orava com a multidão, e orava com os discípulos. Às vezes no templo, outras vezes nas caminhadas da Galiléia a Jerusalém, sempre orava a realidade iluminada pelo Projeto do Pai: mergulho íntimo e comprometedor. S. Lucas nos revela que Jesus estava rezando num lugar solitário, afastado. O Pai-Nosso é oração de intimidade que só pode brotar do coração de Jesus num diálogo muito pessoal, filial, com o Pai. Não é difícil reviver a cena do Evangelho: Jesus orando e os discípulos contemplando o Mestre em oração

Esta prática do Mestre exercia sobre os discípulos um fascínio e um desejo de entrar por este caminho, totalmente novo. Na espontaneidade de aprendiz, um deles expressou o desejo do grupo e pediu:  “Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos”.

Os discípulos não perturbam a oração de Jesus, nem se aproximam d’Ele. Só quando Ele termina de orar é que alguém toma coragem para dirigir-lhe a palavra e fazer-lhe um pedido. Eles, acostumados a viver com Jesus, sentiam que não sabiam orar, que não conseguiam concentrar-se no amor infinito de Deus, entrar no diálogo silencioso com o Pai, de Quem Jesus tanto lhes falava. É este desejo de conhecer o Pai que anima os discípulos a pedirem para aprender a orar.

“Ensina-nos a orar...”: é um pedido carregado de humildade, de afeto e de simplicidade. Pedir a Jesus que ensine a orar significa descobrir o caminho a fim de sentir Deus como Alguém que ama; ter uma experiência nova do Deus da História.  Os discípulos querem descobrir o segredo da confiança e do abandono; querem amar e não ter medo de Deus, já que o encontro de Jesus com o Pai comunica paz, tranquilidade, entrega...

Os discípulos querem que Jesus rompa o véu de sua intimidade com o Pai e que lhes diga o que Ele dizia ao Pai em seus longos silêncios, em suas noites passadas na intimidade do mistério de Deus, sem sentir o cansaço de um dia de trabalho e de luta. Aprender a orar, para eles, não significava técnicas ou métodos, mas ouvir a experiência de Jesus orante.

“...como João ensinou a seus discípulos”: no tempo de Jesus, os diversos grupos se distinguiam segundo suas formas e normas particulares de oração. A oração tinha a função de uma espécie de “credo” que conferia unidade e identidade ao grupo. Os discípulos pedem a Jesus uma oração que será o seu sinal distintivo, porque ela exprimirá seus mais ardentes desejos.

O pedido “ensina-nos a orar” equivale a dizer: “dê-nos o resumo de tua mensagem!”. Com efeito, o Pai-Nosso é a mais clara e mais expressiva síntese que temos da mensagem de Jesus. Ao rezar o Pai-Nosso vamos percebendo que Jesus transforma todas as nossas questões em desejos e nossos desejos em oração. Tudo está dito nesta oração, mas tudo resta a viver. E realizar todos estes desejos que exprime o Pai-Nosso é nos tornar o que somos, é nos tornar realmente humanos e realmente divinos. É tornarmo-nos os filhos de Deus que somos.

A oração do Pai-Nosso integra os extremos: é singela e complexa, calma e incendiária, inofensiva e desafiadora. Jamais palavras tão simples tiveram tanta profundidade. Jamais um texto tão pequeno foi tão revolucionário. Essa oração é dirigida a todo ser humano, de qualquer raça, cultura, religião, mas em especial aos que tem coragem para se esvaziar e se tornar eternos aprendizes, aos que procuram a serenidade e a mansidão, aos tem sede e fome de justiça, aos que querem construir uma nova sociedade.

Nessa oração, nenhum ser humano foi excluído, nenhum errante foi rejeitado, nenhum sacrifício foi pedido, nenhum dogma proclamado, nenhuma lei estabelecida. A oração do Pai-nosso implode temores e provoca amores. Ela é instigadora e provocativa, que nos liberta do cárcere da rotina, resgata-nos do entorpecimento e nos dá um choque de lucidez: a consciência de que somos conduzidos por uma presença amorosa e cuidadora.

Não se pode rezar de qualquer jeito e com qualquer disposição a oração que o Senhor nos ensinou. O Pai-Nosso não é uma fórmula a ser decorada, mas um projeto de vida cujas atitudes levam a uma assimilação progressiva da filiação  e da fraternidade.

Jesus ensinava com a vida uma nova maneira de comunicar-se com o Pai. O novo está justamente no modo como as pessoas se relacionam com Deus: “Quando orardes, dizei: Pai!” Os seguidores de Jesus entram em diálogo com Deus chamando-o “Abba, Pai!”. É uma relação nova e inédita. É o Espírito Santo quem põe nos lábios do cristão a invocação que só Jesus tinha usado em sua oração.
Ou, mais exatamente, é o Espírito Santo que reza no cristão com as mesmas palavras de Jesus (Gal. 4,6).

O Pai-Nosso é a prece de Deus em nós. Dizer o Pai-Nosso é uma maneira de harmonizar nosso desejo, ainda disperso e superficial, com o desejo de Deus em nós; é entrar em sintonia com Vontade do Pai. A oração nasce espontânea no coração de quem busca o Senhor, mas também é uma arte de diálogo com o Absoluto, que se aprende lentamente: “A oração é a arte de amar” (S. Teresa de Jesus). A vida transforma-se numa atitude de oração, onde tudo nos une ao Senhor e tudo vem dela como força e vida.

Com o Pai-Nosso estamos diante do segredo de Jesus comunicado aos discípulos. Jesus ensina a orar, orando. Ele faz junto com os discípulos uma trajetória de oração; não só apontou o caminho, mas fez o caminho com eles. Conhecer sua oração é entrar no próprio movimento de seu desejo e, de certa maneira, participar de sua vida íntima e de seu espírito.

E o desejo que Ele expressa no Pai-Nosso nos revela um ser humano habitado por um “desejo infinito” que só o Infinito pode preencher. De fato, é preciso integrar em nós todas as dimensões do ser humano (corporal, psicológica, espiritual). O desejo se enraíza em nosso corpo, atravessa nossa memória, afeta nosso psiquismo e se abre à Transcendência.

O Pai-Nosso expressa bem estas dimensões do desejo porque manifesta o desejo do alimento, o desejo de liberdade, o ser capaz de perdoar, o desejo de ser libertado do sofrimento, de não se deixar levar pela força do mal, o desejo de que reine em nós um outro espírito, que reine em nós outra coisa que não o nosso passado... Todos estes desejos se expressam e se enraízam na humanidade de Cristo.

É desta maneira que iremos nos aproximar do Pai-Nosso. Como ser humano que somos temos um desejo que habita o mais íntimo de nós mesmos. É o desejo do Todo Outro que se chama prece. “Minha prece é meu desejo, meu desejo é minha prece” (S. Agostinho). Orar é revelar que é possível ao ser humano desejar o impossível. O desejo expresso no Pai-Nosso é um desejo que nos habita e desse desejo participa toda a humanidade.

Texto bíblico:   Lc. 11,1-13

Na oração: Rezar o Pai-Nosso utilizando o Segundo modo de orar, proposto por S. Inácio, ou seja “Contemplar o significado de cada palavra da oração”
- Dizer palavra por palavra. Ex: Pai-Nosso.
- Considerar esta palavra enquanto encontrar significados, sentidos novos, comparações, gosto e consolação, em considerações relacionadas com a mesma, sem se preocupar em passar adiante.














EIS-ME AQUI Senhor, quero, neste instante, fazer-me silêncio
Para apenas Vossa voz ecoar em meu ser.
Quero que cada batida do meu coração
Seja um grito de louvor a Vós,
Uma prece de agradecimento pelo Vosso Infinito Amor por mim,
Eu Vos amo, meu Senhor e meu Deus.
Dai-me a graça de sentir em meu coração,
A grandiosidade do Vosso Amor e a força da Vossa Palavra que acalenta.
Conduzi-me pelas sendas do bem, da verdade e da justiça
Quero fazer-me dócil à ação do Espírito Santo,
Para que seja capaz de olhar para dentro de mim mesmo,
Perceber as minhas falhas e renovar-me.
Quero em cada dia, amar-vos mais, vivendo tudo o que nos ensinastes.
Obrigado, meu Senhor e meu Deus!


quarta-feira, 19 de setembro de 2018


IRMÃS BENEDITINAS DA PROVIDENCIA

Um pouco sobre a missão em lago Azul Lago Azul - Go
O Centro Social Nossa Senhora da Providência forma parte de uma das missões no Brasil, desenvolvidas em favor dos mais pobres e está localizado na cidade do Lago Azul, Goiás. Encontra-se em funcionamento desde 2003 sendo uma obra que concretiza o carisma e missão vivenciados pelas Irmãs Beneditinas da Providência, no qual presta assistência a população local disponibilizando diversas atividades destinadasa educação, cultura, lazer e evangelização.
Inclui aulas de circo, onde as crianças aprendem se divertindo a arte do malabarismo; capoeira, que mistura arte marcial, exercício, cultura popular e música; teatro que atribui o desenvolvimento da expressão corporal; informática do básico ao avançado; música com aulas de canto e violão; culinária onde se prepara pratos simples e gostosos para o dia a dia, shantala, massagem para crianças.
Acatequese para crianças e adultos apresenta-se como proposta de evangelização de forma dinâmica para o aprofundamento da fé cristã e católica e inclui turmas desde anjinhos a crisma de jovens e adultos.
Além das atividades oferecidas funciona semanalmente, no Centro, a biblioteca que contém um acervo de livros para pesquisa e empréstimo, além do Bazar com roupas e acessórios.
Prevenir  e amar!. O mundo necessita de pessoas que vivam sempre mais conscientes de sua vocação e amem em todo tempo e lugar. Por isso a nossa Missão em Lago Azul é viver  doação, contribuindo para que as crianças e pessoas que passam por este pequeno cantinho do céu, sejam um pouquinho mais alegres, e contribuindo para uma sociedade mais justa.



domingo, 16 de setembro de 2018


Nos evangelhos sinóticos, esta pergunta sobre a identidade de Jesus ocupa um lugar destacado. Ela nos oferece as respostas do povo e da comunidade de discípulos, personalizados em Pedro. 
Como seus seguidores, devemos continuar nos perguntar “quem é Jesus?”. Aqui não se trata do conhecimento externo da pessoa de Jesus: quando e como viveu, quem são seus pais, em que cultura viveu, qual era seu entorno social e religioso; nem sequer se trata de conhecer e aceitar sua doutrina.
Nosso seguimento está fundamentado no Jesus que encarna o ideal do ser humano querido por Deus, Aquele que nos revela, ao mesmo tempo, quem é Deus e quem é o ser humano. Por isso, a pergunta que devemos responder é: “quê significa Jesus, para mim?” 
É preciso deixar muito claro que não se pode responder a essa pergunta se não nos perguntamos ao mesmo tempo: “quem sou eu?” . O encontro com a identidade de Jesus desvela nossa própria identidade. 
Na realidade, a pergunta pela identidade é a mais importante de todas aquelas que podemos nos fazer: “Quem sou eu?” A rigor, essa é a primeira e essencial pergunta. A resposta adequada à mesma nos liberta da ignorância, da confusão e do sofrimento. Faz-nos livres e nos possibilita viver na luz.
Porque o objetivo de nossa vida não pode ser outro que o de viver o que somos. E isso não é algo que devemos “alcançar”, “conseguir” ou “conquistar”..., mas, simplesmente, reconhecer. Trata-se de cair na conta ou compreender quem somos. Ao compreender isso, emerge a plenitude, a sabedoria e a alegria.
 Dito de outro modo: a causa de muitos sofrimentos existenciais não é outra que a ignorância ou inconsciência de nossa identidade profunda. O grande místico cristão do séc. XIII, Mestre Eckhart, repetia essa expressão contundente: “Meu solo e o de Deus são o mesmo”.
 Em outras palavras: a Rocha é o divino que nos habita. No caminho do Seguimento de Jesus vamos tirando os véus que bloqueiam e obscurecem nossa visão, permitindo que aflore resplandecente nossa radiante identidade. 

No evangelho de hoje, Jesus revela sua identidade (“Messias, o Filho do Deus vivo”) e, ao mesmo tempo, desvela a identidade de Pedro: “Tu és “petros” (pedregulho) e sobre esta “petra”(rocha) edificarei minha igreja”. Pedro se torna rocha firme (“petra”) quando se apoia na identidade de Jesus (a verdadeira Rocha).
 Pedro, que era “petros” (pedra de tropeço no caminho), foi sendo transformado, através da identificação com Jesus, em “petra”, rocha firme da primitiva comunidade cristã. Dessa forma, o Simão que era “petros”/pedra se converte em “Petra”/rocha firme, porque o mestre desvelou a nobreza que estava escondida no coração dele, ou seja, sua verdadeira identidade sobre a qual o mesmo Jesus iria edificar sua igreja.
 Todo ser humano possui dentro de si uma profundidade que é o seu mistério íntimo e pessoal; trata-se do “EU original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside o lado mais positivo da pessoa. É aqui onde a pessoa encontra a sua identidade pessoal; trata-se do CORAÇÃO,  da dimensão mais verdadeira de si, da sede das decisões vitais, lugar das riquezas pessoais, onde vive o melhor de si mesma, onde se encontram os dinamismos do seu crescimento, de onde parte as suas aspirações e desejos fundamentais, onde percebe as dimensões do Absoluto e do Infinito da sua vida. 
O próprio ser é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes da luta pela vida. Com confiança em si e na rocha do próprio interior todas as forças vitais se acham disponíveis para crescer dia-a-dia, para a pessoa se tornar aquilo que originalmente é chamada a ser.
Descobrir a própria identidade pessoal é situar-se na linha da orientação e sentido da vida. A pessoa deve ter a capacidade de voltar sobre si mesma e perceber por onde está sendo conduzida e porquê. Concretamente, isso pressupõe uma atitude de atenção e escuta que permitem à pessoa situar-se diante do “para onde” e “para quê”,  diante da motivação básica do viver e do agir, diante da “intenção”  com que faz as coisas...

“Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. Aí se pode encontrar o sentido de tudo aquilo que é, o porquê do que se faz, se espera, busca e deseja.
 “Descobrir a si mesmo” é descobrir que no próprio interior há um movimento infinito de construção de si, de identidade em expansão... que se torna possível graças a um constante arrancar-se do imobilismo e da paralisia existencial que impedem o fluxo da vida.
        Nossa existência não pode ser de anonimato e indefinição. Ela exige identidade clara e bem definida. Normalmente confunde-se a identidade com certas “marcas distintivas”: o nome, a profissão, a posição social, política ou religiosa, a função...
 A identidade, no entanto, é dinâmica, histórica, fecunda, aberta ao desconhecido, aventureira...; ela é lugar de expansão e de manifestação da livre circulação do impulso vital, que faz de cada ser humano um “sopro divino vivo”.
 Esse movimento não permite mais que se responda à pergunta: “Quem sou eu?”, pois o ser humano não é, ele se “torna”. O ser humano é um contínuo “tornar-se”, um “vir-a-ser”, um “ek-sistir”, capacidade de ir além de si e adiante de si, no movimento de infinita transcendência.
Só transcende quem se aproxima da própria interioridade, do próprio coração.
 Ter identidade é viver em contato com as raízes que nos sustentam. Em contato com a fonte e na viagem para dentro, clareia-se a visão de nós mesmos, da nossa originalidade e dignidade. Há uma força de gravidade que nos atrai progressivamente para o mais profundo de nós mesmos, onde Deus nos espera e nos acolhe, e onde encontraremos a nossa própria identidade e a verdadeira paz.

“Que eu me conheça e que te conheça, Senhor! Quantas riquezas entesoura o homem em seu interior! Mas de que lhe servem, se não se sondam e investigam” (S. Agostinho).
 De “petros” a “petra”: esse é o desvelamento que acontece em todo seguidor de Jesus quando escuta e vive sua Palavra, proclamada no Sermão da Montanha.
Nossa identidade profunda é constituída pela fragilidade/petros e pela fortaleza/petra. Só no encontro com Aquele que é a Rocha firme é que transparece a “petra” que está oculta em nosso interior. 
Texto bíblico:   Mt 16,13-19 
                                                                                             Na oração: A oração é o caminho interior que faz a pessoa chegar até o próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo da pessoa, mas o mesmo Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundancia, onde a pessoa “mergulha” no silêncio à escuta de todo o seu ser.
Através da oração a pessoa desce a uma dimensão mais profunda e assim chega à corrente subterrânea.
Aqui ela experimenta a unidade  de seu ser.
Coloque-se diante da verdade de Deus, na verdade de si mesmo:
- que resposta você daria, agora, se um repórter lhe entrevistasse e lhe perguntasse: “quem é você?”
- o que você colocaria na sua carteira de identidade que lhe diferenciasse de todas as outras pessoas? Quais seriam os seus sinais digitais mais originais? Quais os seus sinais digitais divinos? (as “marcas” de Deus);
- o que em você é “rocha” consistente, fundamento inabalável?

Pe. Adroaldo Palaoro sj