Pai-Nosso: um desejo que é oração, uma oração que é desejo
“Um
dia, num certo lugar, estava Jesus a orar” (Lc. 11,1)
Na
convivência com os “escolhidos seus” Jesus foi transparente e presença
marcante. Chamou-os para “ficar com Ele”, aprender d’Ele a serem testemunhas de
seu Amor incondicional ao Pai e aos irmãos. Entre os inúmeros desejos e
aspirações que Jesus suscitou, uma foi a grande aventura de aprender a orar.
Jesus orava.
Orava só, orava com a multidão, e orava com os discípulos. Às vezes no templo,
outras vezes nas caminhadas da Galiléia a Jerusalém, sempre orava a realidade
iluminada pelo Projeto do Pai: mergulho íntimo e comprometedor. S. Lucas nos
revela que Jesus estava rezando num lugar solitário, afastado. O Pai-Nosso é
oração de intimidade que só pode brotar do coração de Jesus num diálogo muito
pessoal, filial, com o Pai. Não é difícil reviver a cena do Evangelho: Jesus
orando e os discípulos contemplando o Mestre em oração
Esta prática
do Mestre exercia sobre os discípulos um fascínio e um desejo de entrar por
este caminho, totalmente novo. Na espontaneidade de aprendiz, um deles
expressou o desejo do grupo e pediu: “Senhor, ensina-nos a orar, como
João ensinou a seus discípulos”.
Os discípulos não perturbam a oração
de Jesus, nem se aproximam d’Ele. Só quando Ele termina de orar é que alguém
toma coragem para dirigir-lhe a palavra e fazer-lhe um pedido. Eles,
acostumados a viver com Jesus, sentiam que não sabiam orar, que não conseguiam
concentrar-se no amor infinito de Deus, entrar no diálogo silencioso com o Pai,
de Quem Jesus tanto lhes falava. É
este desejo de conhecer o Pai que anima os discípulos a pedirem para aprender a
orar.
“Ensina-nos a orar...”: é um pedido
carregado de humildade, de afeto e de simplicidade. Pedir a Jesus que ensine a orar
significa descobrir o caminho a fim de sentir Deus como Alguém que ama; ter uma
experiência nova do Deus da História. Os discípulos querem descobrir o
segredo da confiança e do abandono; querem amar e não ter medo de Deus, já que
o encontro de Jesus com o Pai comunica paz, tranquilidade, entrega...
Os discípulos querem que Jesus rompa o
véu de sua intimidade com o Pai e que lhes diga o que Ele dizia ao Pai em seus
longos silêncios, em suas noites passadas na intimidade do mistério de Deus,
sem sentir o cansaço de um dia de trabalho e de luta. Aprender a orar, para eles, não
significava técnicas ou métodos, mas ouvir a experiência de Jesus orante.
“...como
João ensinou a seus discípulos”: no tempo de Jesus, os diversos grupos se
distinguiam segundo suas formas e normas particulares de oração. A oração tinha
a função de uma espécie de “credo” que conferia unidade e identidade ao grupo.
Os discípulos pedem a Jesus uma oração que será o seu sinal distintivo, porque
ela exprimirá seus mais ardentes desejos.
O pedido “ensina-nos a orar” equivale
a dizer: “dê-nos o resumo de tua mensagem!”. Com efeito, o Pai-Nosso é a mais
clara e mais expressiva síntese que temos da mensagem de Jesus. Ao rezar o
Pai-Nosso vamos percebendo que Jesus transforma todas as nossas questões em
desejos e nossos desejos em oração. Tudo está dito nesta oração, mas tudo resta
a viver. E realizar todos estes desejos que exprime o Pai-Nosso é nos tornar o
que somos, é nos tornar realmente humanos e realmente divinos. É tornarmo-nos
os filhos de Deus que somos.
A oração do
Pai-Nosso integra os extremos: é singela e complexa, calma e incendiária,
inofensiva e desafiadora. Jamais palavras tão simples tiveram tanta
profundidade. Jamais um texto tão pequeno foi tão revolucionário. Essa oração é
dirigida a todo ser humano, de qualquer raça, cultura, religião, mas em
especial aos que tem coragem para se esvaziar e se tornar eternos aprendizes,
aos que procuram a serenidade e a mansidão, aos tem sede e fome de justiça, aos
que querem construir uma nova sociedade.
Nessa oração,
nenhum ser humano foi excluído, nenhum errante foi rejeitado, nenhum sacrifício
foi pedido, nenhum dogma proclamado, nenhuma lei estabelecida. A oração do
Pai-nosso implode temores e provoca amores. Ela é instigadora e provocativa,
que nos liberta do cárcere da rotina, resgata-nos do entorpecimento e nos dá um
choque de lucidez: a consciência de que somos conduzidos por uma presença
amorosa e cuidadora.
Não se pode
rezar de qualquer jeito e com qualquer disposição a oração que o Senhor nos
ensinou. O Pai-Nosso não é uma fórmula a ser decorada, mas um projeto de vida
cujas atitudes levam a uma assimilação progressiva da filiação e da
fraternidade.
Jesus
ensinava com a vida uma nova maneira de comunicar-se com o Pai. O novo está
justamente no modo como as pessoas se relacionam com Deus: “Quando orardes,
dizei: Pai!” Os seguidores de Jesus entram em diálogo com Deus chamando-o
“Abba, Pai!”. É uma relação nova e inédita. É o Espírito Santo quem põe nos
lábios do cristão a invocação que só Jesus tinha usado em sua oração.
Ou, mais
exatamente, é o Espírito Santo que reza no cristão com as mesmas palavras de
Jesus (Gal. 4,6).
O Pai-Nosso é a prece de Deus em nós. Dizer o Pai-Nosso é uma maneira de
harmonizar nosso desejo, ainda disperso e superficial, com o desejo de Deus em
nós; é entrar em sintonia com Vontade do Pai. A oração nasce espontânea no
coração de quem busca o Senhor, mas também é uma arte de diálogo com o
Absoluto, que se aprende lentamente: “A oração é a arte de amar” (S.
Teresa de Jesus). A vida transforma-se numa atitude de oração, onde tudo nos
une ao Senhor e tudo vem dela como força e vida.
Com o
Pai-Nosso estamos diante do segredo de Jesus comunicado aos discípulos. Jesus
ensina a orar, orando. Ele faz junto com os discípulos uma trajetória de
oração; não só apontou o caminho, mas fez o caminho com eles. Conhecer sua
oração é entrar no próprio movimento de seu desejo e, de certa maneira,
participar de sua vida íntima e de seu espírito.
E o desejo
que Ele expressa no Pai-Nosso nos revela um ser humano habitado por um “desejo
infinito” que só o Infinito pode preencher. De fato, é preciso integrar em nós
todas as dimensões do ser humano (corporal, psicológica, espiritual). O desejo
se enraíza em nosso corpo, atravessa nossa memória, afeta nosso psiquismo e se
abre à Transcendência.
O Pai-Nosso
expressa bem estas dimensões do desejo porque manifesta o desejo do alimento, o
desejo de liberdade, o ser capaz de perdoar, o desejo de ser libertado do
sofrimento, de não se deixar levar pela força do mal, o desejo de que reine em
nós um outro espírito, que reine em nós outra coisa que não o nosso passado...
Todos estes desejos se expressam e se enraízam na humanidade de Cristo.
É desta maneira que iremos nos
aproximar do Pai-Nosso. Como ser humano que somos temos um desejo que habita o
mais íntimo de nós mesmos. É o desejo do Todo Outro que se chama prece. “Minha
prece é meu desejo, meu desejo é minha prece” (S. Agostinho). Orar é revelar que é possível ao ser
humano desejar o impossível. O desejo expresso no
Pai-Nosso é um desejo que nos habita e desse desejo participa toda a
humanidade.
Texto bíblico: Lc. 11,1-13
Na oração: Rezar o Pai-Nosso utilizando o
Segundo modo de orar, proposto por S. Inácio, ou seja “Contemplar o significado de cada
palavra da oração”
- Dizer
palavra por palavra. Ex: Pai-Nosso.
- Considerar
esta palavra enquanto encontrar significados, sentidos novos, comparações,
gosto e consolação, em considerações relacionadas com a mesma, sem se preocupar
em passar adiante.