Nos evangelhos sinóticos, esta
pergunta sobre a identidade de Jesus ocupa um lugar destacado. Ela nos oferece
as respostas do povo e da comunidade de discípulos, personalizados em
Pedro.
Como seus seguidores, devemos
continuar nos perguntar “quem é Jesus?”. Aqui não se trata do conhecimento
externo da pessoa de Jesus: quando e como viveu, quem são seus pais, em que
cultura viveu, qual era seu entorno social e religioso; nem sequer se trata de
conhecer e aceitar sua doutrina.
Nosso seguimento está fundamentado no
Jesus que encarna o ideal do ser humano querido por Deus, Aquele que nos
revela, ao mesmo tempo, quem é Deus e quem é o ser humano. Por isso, a pergunta
que devemos responder é: “quê significa Jesus, para mim?”
É preciso deixar muito claro que não
se pode responder a essa pergunta se não nos perguntamos ao mesmo tempo: “quem
sou eu?” . O encontro com a identidade de Jesus desvela nossa própria
identidade.
Na realidade, a pergunta pela
identidade é a mais importante de todas aquelas que podemos nos fazer: “Quem
sou eu?” A rigor, essa é a primeira e essencial pergunta. A resposta adequada à
mesma nos liberta da ignorância, da confusão e do sofrimento. Faz-nos livres e
nos possibilita viver na luz.
Porque o objetivo de nossa vida não
pode ser outro que o de viver o que somos. E isso não é algo que devemos
“alcançar”, “conseguir” ou “conquistar”..., mas, simplesmente, reconhecer.
Trata-se de cair na conta ou compreender quem somos. Ao compreender isso,
emerge a plenitude, a sabedoria e a alegria.
Dito de outro modo: a causa de
muitos sofrimentos existenciais não é outra que a ignorância ou inconsciência
de nossa identidade profunda. O grande místico cristão do séc. XIII, Mestre
Eckhart, repetia essa expressão contundente: “Meu solo e o de Deus são o
mesmo”.
Em outras palavras: a Rocha é o divino que nos habita. No
caminho do Seguimento de Jesus vamos tirando os véus que bloqueiam e obscurecem
nossa visão, permitindo que aflore resplandecente nossa radiante identidade.
No evangelho de hoje, Jesus revela sua
identidade (“Messias, o Filho do Deus vivo”) e, ao mesmo tempo, desvela a
identidade de Pedro: “Tu és “petros” (pedregulho) e sobre esta “petra”(rocha)
edificarei minha igreja”. Pedro se torna rocha firme (“petra”) quando se apoia
na identidade de Jesus (a verdadeira Rocha).
Pedro, que era “petros” (pedra
de tropeço no caminho), foi sendo transformado, através da identificação com
Jesus, em “petra”, rocha firme da primitiva comunidade cristã. Dessa forma, o
Simão que era “petros”/pedra se converte em “Petra”/rocha firme, porque o
mestre desvelou a nobreza que estava escondida no coração dele, ou seja, sua
verdadeira identidade sobre a qual o mesmo Jesus iria edificar sua igreja.
Todo ser humano possui dentro de
si uma profundidade que é o seu mistério íntimo e pessoal; trata-se do “EU
original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside o lado mais positivo da
pessoa. É aqui onde a pessoa encontra a sua identidade pessoal; trata-se do
CORAÇÃO, da dimensão mais verdadeira de si, da sede das decisões vitais,
lugar das riquezas pessoais, onde vive o melhor de si mesma, onde se encontram
os dinamismos do seu crescimento, de onde parte as suas aspirações e desejos
fundamentais, onde percebe as dimensões do Absoluto e do Infinito da sua
vida.
O próprio ser é a rocha consistente e
firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem para encontrar segurança e
caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes da luta pela
vida. Com
confiança em si e na rocha do próprio interior todas as forças vitais se acham
disponíveis para crescer dia-a-dia, para a pessoa se tornar aquilo que
originalmente é chamada a ser.
Descobrir
a própria identidade pessoal é situar-se na linha da orientação e sentido da
vida. A pessoa deve ter a capacidade de voltar sobre si mesma e perceber por
onde está sendo conduzida e porquê. Concretamente, isso pressupõe uma atitude
de atenção e escuta que permitem à pessoa situar-se diante do “para onde” e
“para quê”, diante da motivação básica do viver e do agir, diante da
“intenção” com que faz as coisas...
“Viver em profundidade” significa
“entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até
às raízes mais profundas. Aí se pode encontrar o sentido de tudo aquilo que é,
o porquê do que se faz, se espera, busca e deseja.
“Descobrir
a si mesmo” é descobrir que no próprio interior há um movimento infinito de
construção de si, de identidade em expansão... que se torna possível graças a
um constante arrancar-se do imobilismo e da paralisia existencial que impedem o
fluxo da vida.
Nossa
existência não pode ser de anonimato e indefinição. Ela exige identidade clara
e bem definida. Normalmente confunde-se a identidade com certas “marcas
distintivas”: o nome, a profissão, a posição social, política ou religiosa, a
função...
A
identidade, no entanto, é dinâmica, histórica, fecunda, aberta ao desconhecido,
aventureira...; ela é lugar de expansão e de manifestação da livre circulação
do impulso vital, que faz de cada ser humano um “sopro divino vivo”.
Esse
movimento não permite mais que se responda à pergunta: “Quem sou eu?”, pois o
ser humano não é, ele se “torna”. O ser humano é um contínuo “tornar-se”, um
“vir-a-ser”, um “ek-sistir”, capacidade de ir além de si e adiante de si, no
movimento de infinita transcendência.
Só
transcende quem se aproxima da própria interioridade, do próprio coração.
Ter
identidade é viver em contato com as raízes que nos sustentam. Em contato com a
fonte e na viagem para dentro, clareia-se a visão de nós mesmos, da nossa
originalidade e dignidade. Há uma força de gravidade que nos atrai
progressivamente para o mais profundo de nós mesmos, onde Deus nos espera e nos
acolhe, e onde encontraremos a nossa própria identidade e a verdadeira paz.
“Que
eu me conheça e que te conheça, Senhor! Quantas riquezas entesoura o homem em
seu interior! Mas de que lhe servem, se não se sondam e investigam” (S.
Agostinho).
De
“petros” a “petra”: esse é o desvelamento que acontece em todo seguidor de
Jesus quando escuta e vive sua Palavra, proclamada no Sermão da Montanha.
Nossa
identidade profunda é constituída pela fragilidade/petros e pela
fortaleza/petra. Só no encontro com Aquele que é a Rocha firme é que
transparece a “petra” que está oculta em nosso interior.
Texto bíblico: Mt
16,13-19
Na oração: A
oração é o caminho interior que faz a pessoa chegar até o próprio “eu
original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais
positivo da pessoa, mas o mesmo Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade,
da abundancia, onde a pessoa “mergulha” no silêncio à escuta de todo o seu ser.
Através
da oração a pessoa desce a uma dimensão mais profunda e assim chega à corrente
subterrânea.
Aqui
ela experimenta a unidade de seu ser.
Coloque-se
diante da verdade de Deus, na verdade de si mesmo:
-
que resposta você daria, agora, se um repórter lhe entrevistasse e lhe
perguntasse: “quem é você?”
-
o que você colocaria na sua carteira de identidade que lhe diferenciasse de
todas as outras pessoas? Quais seriam os seus sinais digitais mais originais?
Quais os seus sinais digitais divinos? (as “marcas” de Deus);
-
o que em você é “rocha” consistente, fundamento inabalável?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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