ADVENTO: “sentir
o tempo”
“Ficai
atentos, porque não sabeis quando chegará o momento”
(Mc 13,33)
Texto bíblico: Mc 13,33-37
Com o Advento, iniciamos mais um novo “tempo litúrgico”. Qual o sentido
dos tempos litúrgicos?
Podemos representá-los graficamente, visualizando um círculo onde
começamos com o Advento, percorre-mos os “tempos” da vida de Jesus, com suas
celebrações mais importantes, e o “tempo comum”, que culmi-na com a festa de
Cristo Rei.
Acaso
não é assim o grande círculo da vida? Tempos
para gestar a vida, para trazê-la à luz, para alimentá-la e cuidá-la, “tempos
comuns” para descobrir a inspiração do viver cotidiano, buscando o sentido de
tudo o que fazemos e o que acontece ao nosso redor; às vezes, estes tempos são áridos
e cinzentos, outras vezes, iluminantes e coloridos; tempos com a marca da
solidão e da perda e tempos de primavera em que a vida brota de novo... Podemos
dizer que nós, como num espelho, nos vemos no tempo litúrgico, para compreen-der
e inspirar nossa vida a partir de “Jesus” e da “comunidade cristã”.
Vivemos hoje tempos conturbados, tensos...; partilhamos um momento de
grande inquietação social, de aridez espiritual, de drama sanitário, de
distúrbios existenciais, de profundos dilemas morais...
No entanto, resistimos!
Em meio às sombras, perplexidades, contradições, provocações e promessas, que
constituem o atual momento histórico, queremos expressar a fé no futuro da nossa vida.
Ainda que soframos
ventos contrários e as nuvens se adensem no horizonte, sabemos e confessamos
com o profeta Jeremias, e pela graça do Espírito, que “há esperança de um futuro” (31,17).
Para cada momento
histórico sempre foi válido o alerta de Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso”.
A liturgia deste primeiro domingo de Advento se
atreve a proclamar de novo sua esperança,
como uma grande trombeta, que não chama para a morte, mas para a vida.
A esperança é um princípio vital, expresso
na sábia constatação de que “enquanto há
vida, há espe-rança”. Mesmo diante de
desafios quase intransponíveis, consideramos possível ser de outro modo, inven-tamos
e reinventamos opções, criamos novas saídas... e, sem cessar, sonhamos com o “mais”
e o “melhor”.
A esperança cristã destrói os “germes
de resignação” da sociedade moderna e combate a “atrofia espiritual” dos
satisfeitos. Por isso, a esperança cristã tem os pés plantados no “hoje” da
nossa história, inspirando o esforço de transformação deste mundo marcado por
muitos sinais de morte.
É ela que introduz
na sociedade a sede de justiça e o compromisso
de humanização.
Aquele que vive
com esperança se sente impulsionado
a fazer
o que espera.
Nesse sentido, o
futuro esperado se converte em
projeto de ação e compromisso.
Ao adentrarmos, mais uma vez, no tempo do Advento, sentimos ressoar, no mais
íntimo, a voz do Mestre da Galiléia, que nos convida a estar vigilantes e
atentos, a viver despertos...
A “vigilância”, de que fala o
evangelho, é o outro nome para a atitude de “atenção”.
Para Simone Weil
“a atenção é uma prece”, pois ela nos mobiliza
para uma aliança com o “hoje” da vida; se não formos prudentes e generosos para
manter os olhos bem abertos sobre o presente, perderemos a possibilidade do encontro
com o surpreendente. Viver tem a marca da simplicidade, que precisamos
redescobrir, despojando-nos de todas as cataratas existenciais que bloqueiam a
visão, para deixar-nos conduzir pelo fluir contemplativo. Estamos muitas vezes
alienados da vida, separados dela por uma muralha de discursos, de ideias
vazias, de esperanças confusas... Com o
olhar contemplativo, podemos perfurar esse muro e deixar-nos impactar pelo novo
que se revela do outro lado.
Somos seres “desejantes”. O
instigante tempo do Advento ativa em nós os desejos mais nobres e oblati-vos, nos fazem ultrapassar a barreira
do imediato e entrar no movimento que nos impulsiona a ir além, a entrar em
sintonia com Aquele que vem e, ao mesmo tempo, já está presente. Desejar o
encontro com “Aquele que vem” nos sensibiliza a perceber presente “Aquele que
é”.
Por isso, o evangelho
de hoje nos apresenta uma imagem sugestiva, que reúne no desejo duas atitudes
importantes: o tempo da espera e o permanecer em vigília,
ambas vivido no “estar despertos”.
A espera e a vigília da vinda plena do Senhor
não nos afastam da realidade presente. Pelo contrário, faz-nos encarnar mais
lucidamente nela.
Nesse
novo tempo litúrgico, a comunidade cristã permanece à escuta dos passos de
Deus, em nosso mundo,
em
nossa vida. Porque o novo, não vem de fora, mas o sentimos e o tocamos por
dentro.
Aquele que
espera o encontro com o Senhor começa a ler a história como história redentora;
descobre os momentos de inovação; é capaz de ver as libertações sendo gestadas
no silêncio; conecta com as promessas ainda abertas e pendentes: a nova
aliança, o novo povo, o novo êxodo, o Messias...
A atitude de
vigília nos faz descobrir os sinais da chegada do Reino no tempo: não nos contentamos com o tempo vazio, “normótico” e sempre
igual a si mesmo; descobrimos o tempo de salvação no qual há revelação e
realização do novo, da justiça e da graça.
Os “esperantes”
cristãos precisam aprender a “ressignificar” o tempo, pois o tempo de Deus e do Reino é o tempo da decisão em
favor da vida (kairós). O reino tem seu tempo e seu ritmo. Não é questão de
pressas, não é questão de datas e lugares, não é questão de cálculos. Tentar
acelerar sua vinda seria como esticar o talo da planta para que cresça mais
rápido. O importante é ter a paciência de quem sabe que a semente do Reino está
semeada em nossa história e ninguém poderá deter seu desenvolvimento.
Nesta tremenda e instigante história, da qual
fazemos parte, precisamos nos situar bem. Não só com a cabeça, pois aí já temos
as coisas mais ou menos claras, mas com nossa sensibilidade, com compaixão, com
nossos modos de falar e de olhar, com aquilo que deixamos que toque e afete às
nossas vidas. Trata-se da sabedoria de “sentir o tempo”.
Diante do tempo dramático que vivemos, nossa
tentação é querer saltá-lo, fugindo de suas exigências.
Advento vem ser, então, um tempo para voltarmos para
o interior em meio à agitação, olhar para dentro e deixar-nos perguntar: presto
atenção à história que todos vivemos,
às suas dores e à sua beleza? Reconheço seus poderes (augustos, herodes,
quirinos) e a vida vulnerável de Deus iluminando-se nela, apesar de tudo?
Somos iniciados
a “sentir o tempo” de um modo novo, a fazer-nos amigos dele, a nomear e
acompanhar o tempo que nos toca viver, a habitar com intensidade todas as
etapas de nossa existência. Cada momento esconde sua pérola, e é muito
emocionante poder chegar a descobri-la. Precisamos recuperar a força do “hoje”
de Deus fazendo “memória” dos grandes personagens do passado: Isaías, Jeremias, Elias, João Batista, Isabel,
Maria de Nazaré, José... Eles continuam falando, continuam desvelando sinais de
vida plena na história presente. Só uma sensibilidade marcada pelo tempo do
Advento é capaz de entrar em sintonia com as surpre-sas
de Deus; e a história é o rumor dos Seus passos.
Na
oração:
Caminhamos
para Deus quanto mais nos adentramos no profundo de
nós mesmos e da realidade. O maior enraizamento no tempo
que nos toca viver desperta maior sensibilidade para sermos surpreendidos pelo
novo que brota nos lugares menos esperados; é precisamente ali onde a vida
renasce e amadurece.
- Como você se situa diante deste “tempo
pandêmico”? Desespero? Medo? Desejo de saltá-lo?...
- Qual é o “novo” que você vislumbra no
meio deste tempo? Você percebe algum sentido nele? Para onde ele aponta? É revelador de algo diferente?...
Adroaldo Palaoro