APRENDAM DE MIM, QUE SOU MANSO E HUMILDE DE CORAÇÃO!
UM CORAÇÃO SEM DISTÂNCIA
“...porque sou
manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós” (Mt 11,29)
Texto
bíblico: Mt 11,25-30
Inútil discutir e dar voltas: o distanciamento social veio e começou a
fazer parte do nosso ritmo cotidiano; não nos resta outro remédio a não ser
tomar medidas para aprender a manejá-lo e a incorporá-lo em nossa vida da
maneira menos danosa possível.
De fato, seus perigos são
evidentes: o distanciamento físico (“que só se
aproximem até um metro”), pode
gerar o distanciamento social (“que não me venham
com mais problemas, porque já tenho os meus”) e desembocar no distanciamento emocional (“olho ao meu redor e sinto as pessoas como uma ameaça”).
O evangelho deste domingo pode nos
oferecer uma inspiração neste momento dramático que vivemos.
Jesus nos revela que toda
manifestação de distanciamento (sanitário, físico, social, religioso, cultural,
político...) pode ser quebrado a partir do coração.
Toda proximidade com o outro começa pelo coração. Nesse sentido, encontramos
uma pérola de grande valor naquilo que o evangelista Mateus nos des-vela: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de
coração” .
Ao se apresentar como referência
para os seus discípulos - “aprendam de mim!”- , Jesus frisou duas atitudes pelas quais pautava
a sua vida: a mansidão e a humildade. Elas são o reflexo das
bem-aven-turanças que Ele sempre deixou transparecer no encontro com os outros.
É do coração que brotam a mansidão
e a humildade, únicos remédios que substituem a expressão do afeto e a cordialidade
manifestada por via táctil (dar as mãos, abraçar...). Mesmo quando a situação
impede que mãos e braços se encontrem, os corações se abraçam.
Este “tempo de confinamento” está nos
fazendo tomar consciência de nossas debilidades, quebrando toda pretensão
de auto-suficiência e de soberba; ao mesmo tempo, está nos fazendo experimentar
que não somos donos de nossos estados de ânimo e que precisamos dedicar tempos
ao descanso e à gratuidade.
Vivemos em meio à cultura da
produtividade, da competição, da eficiência, e isso nos deixa cansados, raivo-sos,
angustiados e tristes, sem um motivo aparente e sem poder encontrar uma solução
para isso. Consta-tamos que nossa
fragilidade carrega em si a necessidade de sair, de passar tempos distendidos,
de reaprender a estar com os outros, de oxigenar nossa vida em meio a tantos
venenos que nos asfixiam...
A humildade e a mansidão
do coração nos trazem para o chão da vida e nos possibilitam viver com mais
humanidade. E estas duas virtudes estão disponíveis, em abundância, no nosso
interior. Basta abrir espaços para elas e o nosso cotidiano adquirirá novo
sabor e calor.
É suave a condição humana quando,
em vez de ocultar nossa debilidade, descobrimos com assombro que é ela que nos
conduz pela mão a nos aproximar calorosamente dos demais. Quando vivemos a
debilidade de forma agradecida, é mais fácil perdoar que condenar, compreender
que murmurar, aceitar que julgar.
A debilidade humana descansa nas
mãos de Deus. Talvez seja esta a aprendizagem principal de nossa vida, pois a
temos saboreado internamente. Só assim poderemos oferecer, também nós, um lugar acessível de repouso para os cansaços e
fragilidades dos outros.
“Descansar” não é a outra face da
ação de trabalhar; é participar, ter parte, na vida mesma de Deus, onde ação e
repouso coincidem numa única pulsação, num único movimento de segurança e de
felicidade, de consentimento e de abandono, nessa Presença Humilde que flui dentro
de nós, nos atrai e nos conduz com suavidade. O decisivo é ir ao seu encontro e
deixar-nos aliviar, para aprender d’Ele a sermos mais humanos.
Se vivemos só em chave
de mandamentos, de doutrinas, de normas..., comeremos pão de fadigas e
sentimen-tos de culpa; se vivemos em chave de bem-aventuranças, certamente
poderemos caminhar aliviados, porque o peso e a fecundidade da vida estão
apoiados em Outro e não dependem só de nós.
Nesse sentido, as
bem-aventuranças da humildade e a mansidão são o terreno sólido sobre o
qual pode-mos assentar nossa vida e ativar todas as potencialidades humanas que
nos habitam.
“Humildade” vem de húmus, chão, barro. Ela está
vinculada ao amor à verdade e a ele se submete.
Ser humilde é amar a verdade
mais que a si mesmo. “Humildade é andar na verdade” (S. Teresa).
“Onde está a humildade, está também a caridade” (S. Agostinho). É que a humildade leva ao amor, e todo amor verdadeiro a
supõe; sem a humildade, o ego ocupa
o espaço disponível, e só vê o outro como objeto ou como inimigo. A humildade nos conduz à pura gratuidade
do amor desinteressado.
Por outro lado, aqueles
que vivem sob o impulso da mansidão,
não rejeitam nada, não exigem nada. Estão abertos às surpresas da vida, vão
interiorizando as contrariedades de cada dia e ampliando um espaço no próprio
interior, onde acolher a realidade e reafirmá-la; revelam um coração que cria e
alimenta proximidades
com todos, porque pulsa
no ritmo do coração do outro, fisicamente presente ou distante.
A mansidão se assemelha
a um sentimento de não-violência ativa, a “essa
capacidade passiva de
recepção que se encontra no fundo da estrutura
da pessoa”
(Edith Stein).
Mansidão não é debilidade, mas força suavizada;
ela não é a atitude medíocre daqueles que se sentem anulados pela presença
violenta do outro. É força que não provém da violência externa, mas de uma
transformação interna. Por isso, o manso pode realizar ações impossíveis a quem
é violento e sentir-se bem-aventurado e feliz, uma vez que tem esperança de
conquistar o coração dos outros e se encontra entre os que herdarão a “terra
prometida” do coração de Deus.
A mansidão cristã, reflexo
daquela de Jesus, é plena de força. Suavidade e força que recorda o modo
“suave-forte” divino de agir. Trata-se daquela harmonia conquistada pelo ser
humano que alcançou seu centro mais profundo e ali encontra o dom da liberdade.
A mansidão é o estado interior a ser alcançado pelos corações dos homens e
mulheres livres.
Nessa ótica, de fato,
quando perdemos a mansidão, vemos nossa liberdade diminuída. Entramos na lógica
do revide e a emoção indomada preside nossas ações.
Vivemos em um mundo onde
imperam a prepotência, a agressividade, a vingança, o ataque e o desafio
preventivo, o amedrontamento, a extorsão e a imposição violenta como meios
habituais para conseguir os fins que se pretendem. Esta mesma estratégia de
morte é utilizada em diferentes ambientes, tanto civis como religiosos,
políticos como econômicos, entre pessoas e entre grupos ou nações.
Com isso, a vida e as
relações se convertem num campo de batalha contínua, como se fosse uma manada
de lobos disputando o cordeiro.
Como seguidores(as)
d’Aquele que é o humilde artífice da paz, testemunhamos e profetizamos que a mansidão é o verdadeiro rosto da
Igreja.
Não é por acaso que muitas
pessoas que lutaram em favor da justiça, pagando com a própria vida, tenham
essa característica comum: a mansidão
(Gandhi, Luther King, Dom Romero...). São descritos como indivíduos mansos e
humildes, amáveis e de agir discreto, abertos ao diálogo e à acolhida do outro,
pacientes e simples. E, exatamente por isso, dotados de uma força diferente e,
sobretudo, muito eficaz.
Bem-aventurados os humildes
e os mansos! Graças a eles o mal, na terra, pode se transformar em bem!.
ativá-las e fazê-las crescer? Ninguém pode
improvi-sá-las. A raiz última da mansidão-humildade é contemplativa. Nasce em
um clima de oração, numa proximidade íntima que faz o nosso coração pulsar no
mesmo movimento do Coração com-passivo de Deus. Desse encontro, de coração a
Coração, emergem das profundezas de nosso ser estes dinamismos mais humanos e
mais divinos. A partir da fonte original, a mansidão e a humildade vão se
expandindo na direção dos outros, alimentando novas rela-ções, acolhendo o
diferente, vibrando com o bem presente no outro...
- No ritmo de sua vida, o que mais se faz
visível: mansidão e humildade? Ego inflado e soberba? Agradecimento assombrado
ou ingratidão venenosa? Suavidade divina ou prepotência que petrifica?... ( Adroaldo Palaoro)