domingo, 28 de outubro de 2018

Um dia, Jesus, aproximando-se da cidade de Jericó, realizou o milagre de restituir a visão a um cego que mendigava ao longo do caminho (cfr Lc 18, 35-43). Hoje queremos colher o significado deste sinal porque toca também a nós diretamente. O evangelista Lucas diz que aquele cego estava sentado à margem do caminho a mendigar (cfr v. 35). Um cego naquela época – mas também há pouco tempo – não podia viver de nada que não de esmola. A figura deste cego representa tantas pessoas que, também hoje, se encontram marginalizadas por causa de uma deficiência física ou de outro gênero. Está separado da multidão, está ali sentado enquanto as pessoas passam ocupadas, entretidas nos próprios pensamentos e em tantas coisas…E o caminho, que pode ser um lugar de encontro, para ele, em vez disso, é o lugar da solidão. Tanta gente que passa…E ele é sozinho.
É triste a imagem de um marginalizado, sobretudo no pano de fundo da cidade de Jericó, o esplêndido e exuberante oásis no deserto. Sabemos que justamente em Jericó chega o povo de Israel ao término do longo êxodo do Egito: aquela cidade representa a porta de ingresso na terra prometida. Recordemos as palavras que Moisés pronuncia naquela circunstância: “Se houver no meio de ti um pobre entre os teus irmãos, em uma de tuas cidades, na terra que te dá o Senhor, teu Deus, não endurecerás o teu coração e não fecharás a mão diante de teu irmão pobre; mas lhes abrirá a mão e lhes emprestará segundo as necessidades de sua indigência”.(Dt 15,7.11). É forte o contraste entre esta recomendação da Lei de Deus e a situação descrita pelo Evangelho: enquanto o cego grita invocando Jesus, o povo o repreende para fazê-lo calar, como se não tivesse o direito de falar. Não tem compaixão dele, ao contrário, fica cansado com os seus gritos. Quantas vezes nós, quando vemos tanta gente no caminho – gente necessitada, doente, que não tem o que comer – sentimos cansaço. É uma tentação que todos nós temos. Todos, também eu! É por isso que a Palavra de Deus nos adverte que a indiferença e a hostilidade tornam cegos e surdos, impedem de ver os irmãos e não permitem reconhecer neles o Senhor. Indiferença e hostilidade. E às vezes essa indiferença e hostilidade se tornam também agressão e insulto: “mas levem embora todos esses”, “coloquem-nos em outro canto!”. Essa agressão é aquilo que fazia o povo quando o cego gritava: “mas você, vá embora, vai, não fale, não grite”.
Notemos um particular interessante. O Evangelista diz que alguém da multidão explicou ao cego o motivo de toda aquela gente dizendo: “Passa Jesus, o Nazareno!” (v. 37). A passagem de Jesus é indicada com o mesmo verbo com que no livro do Êxodo se fala da passagem do anjo exterminador que salva os Israelitas na terra do Egito (cfr Ex 12, 23). É a “passagem” da páscoa, o início da libertação: quando Jesus passa, sempre há libertação, sempre há salvação! Ao cego, portanto, é como se fosse anunciada a sua páscoa. Sem deixar-se intimidar, o cego grita mais vezes por Jesus reconhecendo-o como o Filho de Davi, o Messias esperado que, segundo o profeta Isaías, teria aberto os olhos aos cegos (cfr Is 35, 5). Diferente da multidão, este cego vê com os olhos da fé. Graças a essa a sua súplica tem uma poderosa eficácia. De fato, ao ouvi-lo, “Jesus parou e ordenou que o levassem a ele” (v. 40). Assim fazendo, Jesus tira o cego da margem do caminho e o coloca no centro da atenção dos seus discípulos e da multidão. Pensemos também nós, quando estivemos em situações ruins, também situações de pecado, como foi o próprio Jesus a nos tomar pela mão e nos tirar da margem do caminho e nos dar a salvação. Realiza-se, assim, uma dupla passagem. Primeiro: o povo tinha anunciado a boa nova ao cego, mas não queria ter nada a ver com ele; agora, Jesus obriga todos a tomar consciência de que o bom anúncio implica colocar no centro do próprio caminho aquele que estava excluído. Segundo: por sua vez, o cego não via, mas a sua fé lhe abre o caminho da salvação, e ele se reencontra em meio a quantos tomaram as ruas para ver Jesus. Irmãos e irmãs, a passagem do Senhor é um encontro de misericórdia que une todos em volta Dele para permitir reconhecer quem tem necessidade de ajuda e de consolo. Também na nossa vida Jesus passa; e quando Jesus passa, e eu me dou conta, é um convite a me aproximar Dele, a ser melhor, a ser um cristão melhor, a seguir Jesus.
Jesus se dirige ao cego e lhe pergunta: “O que queres que eu faça por ti?” (v. 41). Essas palavras de Jesus são impressionantes: o Filho de Deus agora está diante do cego como humilde servo. Ele, Jesus, diz: “Mas o que queres que eu te faça? Como tu queres que eu te sirva?”. Deus se faz servo do homem pecador. E o cego responde a Jesus não mais chamando-o “Filho de Davi”, mas “Senhor”, o título que a Igreja, desde o início, aplica a Jesus Ressuscitado. O cego pede para poder ver de novo e o seu desejo é concedido: “Tenha de novo a sua visão! A tua fé te salvou” (v. 42). Ele mostrou a sua fé invocando Jesus e querendo absolutamente encontrá-lo, e isso o levou o dom da salvação. Graças à fé agora pode ver e, sobretudo, se sente amado por Jesus. Por isso a passagem termina referindo que o cego “começou a segui-Lo glorificando a Deus” (v. 43): se faz discípulo. De mendigo a discípulo, também essa é o nosso caminho: todos nós somos mendigos, todos. Sempre precisamos de salvação. E todos nós, todos os dias, devemos dar esse passo: de mendigos a discípulos. E assim, o cego caminha atrás do Senhor e se torna parte da sua comunidade. Aquele que queria calar, agora testemunha em alta voz o seu encontro com Jesus de Nazaré e “todo o povo, vendo, louva a Deus” (v. 43). Acontece um segundo milagre: isso que aconteceu ao cego faz com que também o povo finalmente veja. A mesma luz ilumina todos unindo-os na oração de louvor. Assim Jesus infunde a sua misericórdia sobre todos aqueles que encontra: chama-os, faz com que venham a si, reúne-os, cura-os e os ilumina, criando um novo povo que celebra as maravilhas do seu amor misericordioso. Deixemos também nós chamar por Jesus e deixemo-nos curar por Jesus, perdoar por Jesus e vamos atrás de Jesus louvando a Deus. Assim seja!
Papa Francisco


terça-feira, 2 de outubro de 2018

Santa Benedita Cambiagio Frasinello
  1. 1. Assim narrou Santa Benedita Irmã Pilar Sanz Editoras Beneditinas Brasília – DF . 2009
  2. 2. MINHA VIDA Assim narrou M. Benedita... Eu vivi uma infância feliz, no meio daroça, rodeada do carinho dos meus pais e irmãos,que gostavam muito de mim. Ainda me lembrodos campos verdes por onde brincava,dosmananciais cristalinos onde matava a minhasede... Junto aos colegas da minha idade divertia-me fazendo brincadeiras. Eu tinha 11 anos quando a preocupaçãocomeçou a percorrer o coração e as conversas dosmais velhos... eu intuía que estava acontecendoalguma coisa muito grave. Um dia, muito cedo, minha mãe comentou:filha temos que ir embora, as tropas de Napoleãojá estão muito perto e arrasam tudo por ondepassam, não podemos ficar aqui por maistempo... Eu vivia a dor de deixar alquilo que maisamava...Olhei os montes pela ultima vez.Naquele dia, mal avistava o alvorecer nohorizonte, uma brisa suave e fresca o inundavatodo. Pouco a pouco, no entanto, íamos deixandoa cidade, tudo desaparecia diante de mim. Aomeu lado, meus pais e irmãos caminhavamcansados, todos nós desejávamos ver um novo
  3. horizonte se abrir e que o sol brilhassenovamente. Aos 15 anos de idade, me brotou umaalegria profunda, um gozo em minha alma, algoque eu não sabia definir, decifrar, uma atração.Deus era o meu confidente, meu amigo, aqueleque eu partilhava todo sorriso, toda lágrima,minha felicidade, eu era feliz... Sentia-O perto demim, como o toque do vento em meu rosto, operfume das flores que envolvia todo ar... Ele mechamava de forma tão clara, que não haviadúvida, era ELE. Era como uma segurança semlimites no meio do oceano. Nesses momentos, compreendia que Eleera o próprio Oceano, onde minha vida tinhasentido. Tal loucura de amor tinha que sercorrespondida... Por isso, um dia, enquanto todosdormiam, no silencio da noite, me levantei comcautela, peguei a mala que eu mesma haviapreparado e fui procurar um lugar fora da cidade,onde eu pudesse realizar meu sonho. Caminhei durante algumas horas, jácomeçavam a se desenhar os raios do sol, quandocheguei à caverna... Olhei com atenção, procureium canto e coloquei minhas coisas... Tirei umaimagem da virgem Maria e outra de Cristo,
  4.  “O nosso ser é um conjunto de perguntas que só em Deus tem as respostas certas e uma feliz realização.” (HP)
  5.  improvisei um pequeno altar. Ali comecei minhaexperiência de solidão e silencio... Algo maiorque qualquer amor humano me havia levado atéaquele lugar, não era capricho meu. O primeiro dia passou... Quando a fomecomeçava a apertar o estomago, comi raízes parame alimentar, bem como ervas, ali era um lugarde muita vegetação. Depois de comer o que anatureza me oferecia dava graças a Deus portanta generosidade... Sentia-me feliz. Quandocaiaa noite, a escuridão envolvia tudo... Dei-meconta, enfim, que estava longe de minha casa, deminha mãe e de todo carinho que me doavam.Pensava na preocupação que poderiam estarsentindo com minha ausência, mas dormia empaz, pois o que eu sentia, naquele momento, eramaior que a preocupação dos meus familiares. Assim passaram-se cinco dias, não haviatempo para o aborrecimento, cada manhã era umaoportunidade para amar, para dedicar-me Aquelepelo o qual eu amava e me sentia amada por Ele,sentia-me seduzida. O pior aconteceu no sexto dia, enquantopasseava entre as plantas, pensando na beleza dacriação, assustei-me com uns fortes gritos,
  6.  pronunciavam meu nome, então dei-mecontaque eram vozes conhecidas, eram meus pais. Despertei como de um sonho. Enquantotentava explicar o porquê de minha fuga, ouviameu Pai dizer: “Deixe de bobagem, você secasará como todas as jovens. Que ridículo setorna para toda a família! Para toda a cidade, quesó fala em você! Tens consciência do que queresfazer?”. Não pude defender-me. Voltei para casa,era muito nova, me submeti as ordens de meuspais, não tinha opção. Enquanto seguia minha vida, no trabalhodas vendas de verduras e frutas, ouvia comatenção o que as pessoas me diziam e, a cadaescuta, percebia que meu coração se inflamava aoouvir histórias de meninas livres, queperambulavam pelas ruas e amavam livremente,sem que ninguém se preocupasse com elas. Para meus pais eu era apenas uma meninaque cuidavas dos afazeres de casa, no entanto, emmeu coração, ardia um desejo que eu mesma nãopodia compreender, deixando-me guiar por umamão misteriosa que levava-me ao rumo de minhanova história. Passados cinco anos, parecia que amonotonia começava a rondar meu espírito,
  7.  “Na medida em que a Igreja ondeiea bandeira da “vida intima com Deus” como missão evangélica, enxergaremos uma nova primavera na maneira de ser Cristão.” (HP)
  8.  quando apareceu em minha vida um jovem. Eleera alegre, piadista... encantei-me com seu jeitode ser, e a recíproca foi verdadeira. Meu paipercebeu, mas aquele tempo às coisas nãoandavam tão rápidas como os dias de hoje, ele sechamava João. Floresciam os pés de amêndoas e eu mesentia como eles, florescendo por dentro, algonovo invadiam-me por dentro como se eudescobrisse uma nova forma de amar. Meus pais ficaram muito contentes emsaber que meu coração ardia por um jovem, poisdesde minha adolescência, sofriam achando-meum pouco diferente das outras meninas. Decidimos nos casar na Basílica de Pavia,em 7 de fevereiro de 1916. Estava tudo enfeitadocom flores. João e eu embarcamos em um projetonovo, que víamos como o “Projeto de Deus”. Tínhamos tudo para sermos felizes:trabalho, de onde tirávamos o dinheiro para onosso sustento, uma pequena casa, amor mutuo,compromisso e entrega e...o mistério que nosenvolvia, fazendo-nos engrandecer cada dia maisa nossa entrega. Mas em meu coração, ressoava novamenteas conversas das senhoras ricas que passavampela minha tenda, e “essas meninas deixadas ao
  9. seu livre prazer”, os dias passados na gruta, tudome fazia pensar em uma entrega de vida maisprofunda. Mas como isso poderia acontecer sehavia João em minha vida? O que ele pensaria? Estávamos casados há dois anos e, certanoite, como de costume, quando fechamos atenda, nos sentamos cansados em frente à lareira,foi ai que ele se deu conta que algo mepreocupava... “Deus não nos concedeu filhos”...ele me acariciava perguntando se era esse opensamento que me perturbava! Fiqueicompletamente comovida com sua atitude.Naquela noite conversamos muito, noscompreendemos. João não podia ver-me triste,estava sempre disposto a me animar. Confessouque já havia percebido minha tristeza e sabiaexatamente o que me incomodava, meangustiava. Juntos, João e eu resolvemos engrandecero amor que nos inflamava por dentro. Com ocoração livre, decidimos viver uma vida „casta‟,sacrificada, mas que nos conduzia a uma vidamais fecunda. Naquela noite dei graças a Deuspor saber conversar sobre meus anseios e porJoão compreender a minha vida. Vibrei tanto emmeu interior, que me sentia embriagada por um
  10.  Esta é a minha vocação: dar resposta ao amor de Deus que me ama desde a eternidade!.10
  11.  “amor divino”. O sonho que meus pais haviammatadoressurgia novamente em meu ser. Minha irmã Maria ficou doente por oitoanos, a ela ofereci toda minha atenção e ajuda.Não poupei forças nem tempo a ela, pois sabia esentia que Deus me pedia essa entrega. Uma luzme conduzia por caminhos que eu nãoimaginava. Em 1825, Maria veio a falecer. Joãocontinuava ao meu lado. Certa manhã,compreendi que o que eu fazia, era pouco dianteda grandiosidade da vida e seus apelos. Foiquandodecidi entregar-me a Deus... Iria aumconvento, algo que cultivava em meu ser a muitotempo. João fez o mesmo, foi até o convento dosSomascos e pediu que o aceitassem como leigo. Ali, no silêncio, me senti livre. Meucoração vibrava ao ouvir o som do Evangelho.Passou a primavera e chegou o verão, com ooutono enxergava os ramos secos através daminha janela. Meus sonhos, minhas lembrançastomavam uma nova cor e, mais uma vez,ressurgia à mente as meninas de Pavia! As viaperambulando, de um lado para o outro, sem queninguém as enxergassem ou lhes transmitissemum gesto, um olhar de carinho.
  12.  A noite surgia, mais uma vez em minhavida, como uma sinfonia de silêncio, quebrado,somente, pelo ritmo suave do som das águas quedesciam das cascatas de uma cachoeira, levandoconsigo tudo aquilo que conseguia atingir... Aliestava Ele, o jovem que me mostrava as meninasperdidas, sem rumo...! Sim, eu serei a mãe destas jovens, euprometo! Neste momento acordei! Estava emminha cama, suava e ardia-me em febre, o meucoração batia muito forte. Foi assim que, não me lembro bem como,me curei. Novamente peguei minha trouxa e,como em outros tempos, percorri cada passo dolongo caminho, cantando de alegria. Um novohorizonte se abria para mim. Aquelas meninashaviam roubado meu coração e tornei-meperegrina dos caminhos apaixonados da vida. Tinha vontade de abraçar as montanhas,cruzar rios, subir nas arvores, até chegarnovamente em Pavia. João nunca me deixou sozinha, era umbom homem, carinhoso. Acompanhou-me àPavia nessa nova aventura, quis viver ao meulado sem que os outros o vissem, na humildade.
  13.  “Precisamos silenciar o nosso interior para escutar a voz de Deus no meio das preocupações de cada dia. Jesus está vivo! Caminha sempre ao nosso lado.” (HP)
  14.  Ali estávamos eu e João. Convidamos asprimeiras jovens que queriam começar uma vidanova. Partilhamos tudo com elas, aprenderam aler, escrever... Dialogávamos sobre o sentido davida, como deveria ser vivida e valorizada, dandoum novo sentido à ela. Conversávamos sobre asdificuldades, os amigos... A maioria delas estavasozinha. Necessitavam dar e receber carinho deuma mãe que as ensinassem a enxergar a vida deoutra forma. Que cuidasse delas e lhes dessecoragem, que as ajudasse a compreender quandoalgo desse errado. Elas preenchiam a minha vida,e meu coração se emocionava. Nelas, via o rostode Deus sem fazer nenhum esforço, era umaexperiência gratificante. Uma noite, na capela, Deus fez-me sentiruma forte sensação, meus olhos brilhavam comumasurpreendente emoção. Fez-me provar ossabores de uma repetida e incomparávelexperiência. Eu me abria ao presente de Deus eme deixava acariciar por sua amizade, a maiseloqüente de todas em meio ao perfume daprimavera. Para mim, restava o caminho maisdesafiador, mais doloroso e, muitas vezes, Deus
  15. nos faz experimentar o amor, antes de enfrentar ocalvário, para que não desfaleçamos. Contava com o apoio de João e algumascompanheiras que desejavam partilhar essetrabalho. Doar minha vida e minhas energias poraquelas jovens, e descobrir a cada amanhecer,essa fonte que borbulha no coração, que só vivepara Deus. Em minha alma ardia uma chama que meconsumia, foi quando foram lançados osprimeiros golpes, começara o martírio: “... erauma farsa! Mata suas filhas! As prende no porãode sua casa! Neste momento, meu coração seestremeceu. Como poderiam pensar algo assim?As falsas afirmações, inclusive, chegaram aoBispo. A cruz chega quando menos esperamos.Deus reservou esta provação num momento dematuridade de espírito, antes seria impossívelsuportar. Estava disposta a receber todas aspedras, mas não consentiria que fizessem algummal às minhas filhas. Aconteceu que, em Outubro de 1837,diante da imagem de Cristo Crucificado, percebique minhas mãos encontravam-se vazias. As mesmas mãos que haviam dado banhonaquelas jovens, que acariciavam seus rostos e
  16. enxugava as lágrimas que teimavam em cair porcausa do sofrimento e da dor, mãos que asensinaram a escrever... Chorei muito a princípio,as noites escuras tomavam conta de mim e oabandono invadiu meu ser. Mas, neste momento,compreendi que se o grão de trigo não cair emorrer, não voltara a dar frutos, compreendi queo amor eterno está exposto na cruz e que oscaminhos de Deus são surpreendentes. É precisodeixar o remo nas mãos de Deus, para possamoscruzar o “grande oceano”: Por Deus, estavacomeçando a compreender a vida. A dança davida seguia no ritmo de Deus. Eu tinha quepercorrer o caminho de Deus, não o meu. Confesso que foi um desprendimentoterrível, como um forte vendaval. A presença deJoão e das três companheiras que seguiamcomigo, me ajudaram a suportar aquele momentode entrega total e sem limites que Deus me pedia.Pois, somente os verdadeiros amigospermanecem conosco nas horas de sofrimento eprovações e não apenas nas horas de felicidade. Mais uma vez, seguia o caminho indicadopor Deus. Não importava a direção; senti-melivre como um pássaro para cruzar o horizonte,experimentando a generosidade do Pai. Aquelesque seguem com ele, o caminho da salvação,
  17.  “Eu sei que posso ser fiel a Deus apoiado na sua própria fidelidade,porque Ele se entregou por mim.” (HP)
  18. partilham o sofrimento, tirando-lhes o peso efazendo-lhes caminhar mais rápido. Acompanhada de João e minhascompanheiras, chegamos a Ronco, povoado deJoão. Ele também merecia voltar a pisar o chãode sua terra e sentir-se acolhido por ela, pois, alivivera com muitos sacrifícios. Por este motivo,permaneceríamos ali por alguns dias... Esses caminhos tortuosos nos deixariamcom calos nos pés, mas nos conduziriam aoEspírito Divino. Logo após nossa chegada, aspessoas nos convidariam a cuidar das meninas dopovoado, o que era, desde o início, nossaintenção. João iniciou o trabalho, secomprometendoa ficar mais tempo no local. A vida era tranquila e podíamos descansarbastante. As jovens que me acompanharamqueriam me ver comprometida com o ideal daconsagração. Por isso, após muita oração,partilhamos os mesmo sonhos, decidimos nosconsagrar a Deus e nos dedicar às jovens ecrianças que necessitavam de ajuda em todos ossentidos. Vi na decisão de nossa pequenacomunidade, ser manifestada a vontade de Deus.O som do sino anunciava-nos o melhor momentodo dia: levantar, rezar, comer... O ambiente
  19. silencioso de Ronco se convertia em uma grandesinfonia, embora tivesse o grito das crianças, dasclasses, das irmãs e da oração, ali o silencio defato reinava. À noite, enquanto todos dormiam,eu discretamente me levantava e ia até a capela.Depositava toda a minha confiança em Deus eEle me presenteava, deixando-me levantar vôo.Quando menos esperava, já era dia. Compreendíamos que a vida era cheia deencantos e beleza. Para tanto, devíamos dargraças a Deus por tudo, assim, nos reuníamos emuma só oração, uma só fé. Sentíamos felizes,pois, nossos sonhos e esperanças chegavam emnossas mãos. Muitas vezes, tinha que me ausentar eatender outros lugares que me requisitavam,também me chamavam em Pavia. Ali, em outracasinha, hospedamos várias meninas, que abriamsorriso nos lábios. Sofri muito, quando tive que deixar tudopara traz. Obrigada a desfazer-me daquelesmomentos tão fundamentais em minha vida, senticomo se me arrancassem a pele... Mas agora,Deus havia me presenteado momentos de prazer,de amor. Minhas forças declinavam, assim ia-meabandonando nas mãos de Deus como um
  20.  instrumento fiel. Desci a casa do oleiro e deixei-me ser modelada por ele. Escrevi normas para minhas filhas. Via atrajetória de suas vidas como uma luz, quedesaparecia na imensidão do caminho ecomeçava uma aventura nova, um novohorizonte. Aproximava-se o dia 21 de março... Haviaproposto que este dia fosse destinado ao encontrocom o Amor. Reuni as meninas e as jovenscompanheiras em um lugar, em silêncio. Joãotambém se fez presente. Naquele dia, ele sedespediu de mim, me provocando um nó nagarganta, um pequeno momento de intimidade!Quantas renúncias por um amor sublime... Eminhas filhas, essas filhas as que tanto queria.Choravam, rezavam... o meu olhar ficou fixonum raio de luz, meus ouvidos já não percebiamseus gemidos. A fé me surpreendeu nos braçosdo Pai e vi saciados todos os meus desejos noAmor! Tudo era claridade. Era a eternidade. Aqui não tem passado nem futuro. Tudo épresente. Vivo numa quietude dinâmica. Tenhominha morada na Paz infinita.
 “Amemos com todas as nossas forças, além de nossas forças,até nos perder no mesmo ato de amar! Assim se abrirão no nosso peito as asas da ressurreição!” (HP) HNA PILAR S

quarta-feira, 26 de setembro de 2018


Pai-Nosso: um desejo que é oração, uma oração que é desejo


“Um dia, num certo lugar, estava Jesus a orar” (Lc. 11,1)

Na convivência com os “escolhidos seus” Jesus foi transparente e presença marcante. Chamou-os para “ficar com Ele”, aprender d’Ele a serem testemunhas de seu Amor incondicional ao Pai e aos irmãos. Entre os inúmeros desejos e aspirações que Jesus suscitou, uma foi a grande aventura de aprender a orar.

Jesus orava. Orava só, orava com a multidão, e orava com os discípulos. Às vezes no templo, outras vezes nas caminhadas da Galiléia a Jerusalém, sempre orava a realidade iluminada pelo Projeto do Pai: mergulho íntimo e comprometedor. S. Lucas nos revela que Jesus estava rezando num lugar solitário, afastado. O Pai-Nosso é oração de intimidade que só pode brotar do coração de Jesus num diálogo muito pessoal, filial, com o Pai. Não é difícil reviver a cena do Evangelho: Jesus orando e os discípulos contemplando o Mestre em oração

Esta prática do Mestre exercia sobre os discípulos um fascínio e um desejo de entrar por este caminho, totalmente novo. Na espontaneidade de aprendiz, um deles expressou o desejo do grupo e pediu:  “Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos”.

Os discípulos não perturbam a oração de Jesus, nem se aproximam d’Ele. Só quando Ele termina de orar é que alguém toma coragem para dirigir-lhe a palavra e fazer-lhe um pedido. Eles, acostumados a viver com Jesus, sentiam que não sabiam orar, que não conseguiam concentrar-se no amor infinito de Deus, entrar no diálogo silencioso com o Pai, de Quem Jesus tanto lhes falava. É este desejo de conhecer o Pai que anima os discípulos a pedirem para aprender a orar.

“Ensina-nos a orar...”: é um pedido carregado de humildade, de afeto e de simplicidade. Pedir a Jesus que ensine a orar significa descobrir o caminho a fim de sentir Deus como Alguém que ama; ter uma experiência nova do Deus da História.  Os discípulos querem descobrir o segredo da confiança e do abandono; querem amar e não ter medo de Deus, já que o encontro de Jesus com o Pai comunica paz, tranquilidade, entrega...

Os discípulos querem que Jesus rompa o véu de sua intimidade com o Pai e que lhes diga o que Ele dizia ao Pai em seus longos silêncios, em suas noites passadas na intimidade do mistério de Deus, sem sentir o cansaço de um dia de trabalho e de luta. Aprender a orar, para eles, não significava técnicas ou métodos, mas ouvir a experiência de Jesus orante.

“...como João ensinou a seus discípulos”: no tempo de Jesus, os diversos grupos se distinguiam segundo suas formas e normas particulares de oração. A oração tinha a função de uma espécie de “credo” que conferia unidade e identidade ao grupo. Os discípulos pedem a Jesus uma oração que será o seu sinal distintivo, porque ela exprimirá seus mais ardentes desejos.

O pedido “ensina-nos a orar” equivale a dizer: “dê-nos o resumo de tua mensagem!”. Com efeito, o Pai-Nosso é a mais clara e mais expressiva síntese que temos da mensagem de Jesus. Ao rezar o Pai-Nosso vamos percebendo que Jesus transforma todas as nossas questões em desejos e nossos desejos em oração. Tudo está dito nesta oração, mas tudo resta a viver. E realizar todos estes desejos que exprime o Pai-Nosso é nos tornar o que somos, é nos tornar realmente humanos e realmente divinos. É tornarmo-nos os filhos de Deus que somos.

A oração do Pai-Nosso integra os extremos: é singela e complexa, calma e incendiária, inofensiva e desafiadora. Jamais palavras tão simples tiveram tanta profundidade. Jamais um texto tão pequeno foi tão revolucionário. Essa oração é dirigida a todo ser humano, de qualquer raça, cultura, religião, mas em especial aos que tem coragem para se esvaziar e se tornar eternos aprendizes, aos que procuram a serenidade e a mansidão, aos tem sede e fome de justiça, aos que querem construir uma nova sociedade.

Nessa oração, nenhum ser humano foi excluído, nenhum errante foi rejeitado, nenhum sacrifício foi pedido, nenhum dogma proclamado, nenhuma lei estabelecida. A oração do Pai-nosso implode temores e provoca amores. Ela é instigadora e provocativa, que nos liberta do cárcere da rotina, resgata-nos do entorpecimento e nos dá um choque de lucidez: a consciência de que somos conduzidos por uma presença amorosa e cuidadora.

Não se pode rezar de qualquer jeito e com qualquer disposição a oração que o Senhor nos ensinou. O Pai-Nosso não é uma fórmula a ser decorada, mas um projeto de vida cujas atitudes levam a uma assimilação progressiva da filiação  e da fraternidade.

Jesus ensinava com a vida uma nova maneira de comunicar-se com o Pai. O novo está justamente no modo como as pessoas se relacionam com Deus: “Quando orardes, dizei: Pai!” Os seguidores de Jesus entram em diálogo com Deus chamando-o “Abba, Pai!”. É uma relação nova e inédita. É o Espírito Santo quem põe nos lábios do cristão a invocação que só Jesus tinha usado em sua oração.
Ou, mais exatamente, é o Espírito Santo que reza no cristão com as mesmas palavras de Jesus (Gal. 4,6).

O Pai-Nosso é a prece de Deus em nós. Dizer o Pai-Nosso é uma maneira de harmonizar nosso desejo, ainda disperso e superficial, com o desejo de Deus em nós; é entrar em sintonia com Vontade do Pai. A oração nasce espontânea no coração de quem busca o Senhor, mas também é uma arte de diálogo com o Absoluto, que se aprende lentamente: “A oração é a arte de amar” (S. Teresa de Jesus). A vida transforma-se numa atitude de oração, onde tudo nos une ao Senhor e tudo vem dela como força e vida.

Com o Pai-Nosso estamos diante do segredo de Jesus comunicado aos discípulos. Jesus ensina a orar, orando. Ele faz junto com os discípulos uma trajetória de oração; não só apontou o caminho, mas fez o caminho com eles. Conhecer sua oração é entrar no próprio movimento de seu desejo e, de certa maneira, participar de sua vida íntima e de seu espírito.

E o desejo que Ele expressa no Pai-Nosso nos revela um ser humano habitado por um “desejo infinito” que só o Infinito pode preencher. De fato, é preciso integrar em nós todas as dimensões do ser humano (corporal, psicológica, espiritual). O desejo se enraíza em nosso corpo, atravessa nossa memória, afeta nosso psiquismo e se abre à Transcendência.

O Pai-Nosso expressa bem estas dimensões do desejo porque manifesta o desejo do alimento, o desejo de liberdade, o ser capaz de perdoar, o desejo de ser libertado do sofrimento, de não se deixar levar pela força do mal, o desejo de que reine em nós um outro espírito, que reine em nós outra coisa que não o nosso passado... Todos estes desejos se expressam e se enraízam na humanidade de Cristo.

É desta maneira que iremos nos aproximar do Pai-Nosso. Como ser humano que somos temos um desejo que habita o mais íntimo de nós mesmos. É o desejo do Todo Outro que se chama prece. “Minha prece é meu desejo, meu desejo é minha prece” (S. Agostinho). Orar é revelar que é possível ao ser humano desejar o impossível. O desejo expresso no Pai-Nosso é um desejo que nos habita e desse desejo participa toda a humanidade.

Texto bíblico:   Lc. 11,1-13

Na oração: Rezar o Pai-Nosso utilizando o Segundo modo de orar, proposto por S. Inácio, ou seja “Contemplar o significado de cada palavra da oração”
- Dizer palavra por palavra. Ex: Pai-Nosso.
- Considerar esta palavra enquanto encontrar significados, sentidos novos, comparações, gosto e consolação, em considerações relacionadas com a mesma, sem se preocupar em passar adiante.














EIS-ME AQUI Senhor, quero, neste instante, fazer-me silêncio
Para apenas Vossa voz ecoar em meu ser.
Quero que cada batida do meu coração
Seja um grito de louvor a Vós,
Uma prece de agradecimento pelo Vosso Infinito Amor por mim,
Eu Vos amo, meu Senhor e meu Deus.
Dai-me a graça de sentir em meu coração,
A grandiosidade do Vosso Amor e a força da Vossa Palavra que acalenta.
Conduzi-me pelas sendas do bem, da verdade e da justiça
Quero fazer-me dócil à ação do Espírito Santo,
Para que seja capaz de olhar para dentro de mim mesmo,
Perceber as minhas falhas e renovar-me.
Quero em cada dia, amar-vos mais, vivendo tudo o que nos ensinastes.
Obrigado, meu Senhor e meu Deus!


quarta-feira, 19 de setembro de 2018


IRMÃS BENEDITINAS DA PROVIDENCIA

Um pouco sobre a missão em lago Azul Lago Azul - Go
O Centro Social Nossa Senhora da Providência forma parte de uma das missões no Brasil, desenvolvidas em favor dos mais pobres e está localizado na cidade do Lago Azul, Goiás. Encontra-se em funcionamento desde 2003 sendo uma obra que concretiza o carisma e missão vivenciados pelas Irmãs Beneditinas da Providência, no qual presta assistência a população local disponibilizando diversas atividades destinadasa educação, cultura, lazer e evangelização.
Inclui aulas de circo, onde as crianças aprendem se divertindo a arte do malabarismo; capoeira, que mistura arte marcial, exercício, cultura popular e música; teatro que atribui o desenvolvimento da expressão corporal; informática do básico ao avançado; música com aulas de canto e violão; culinária onde se prepara pratos simples e gostosos para o dia a dia, shantala, massagem para crianças.
Acatequese para crianças e adultos apresenta-se como proposta de evangelização de forma dinâmica para o aprofundamento da fé cristã e católica e inclui turmas desde anjinhos a crisma de jovens e adultos.
Além das atividades oferecidas funciona semanalmente, no Centro, a biblioteca que contém um acervo de livros para pesquisa e empréstimo, além do Bazar com roupas e acessórios.
Prevenir  e amar!. O mundo necessita de pessoas que vivam sempre mais conscientes de sua vocação e amem em todo tempo e lugar. Por isso a nossa Missão em Lago Azul é viver  doação, contribuindo para que as crianças e pessoas que passam por este pequeno cantinho do céu, sejam um pouquinho mais alegres, e contribuindo para uma sociedade mais justa.



domingo, 16 de setembro de 2018


Nos evangelhos sinóticos, esta pergunta sobre a identidade de Jesus ocupa um lugar destacado. Ela nos oferece as respostas do povo e da comunidade de discípulos, personalizados em Pedro. 
Como seus seguidores, devemos continuar nos perguntar “quem é Jesus?”. Aqui não se trata do conhecimento externo da pessoa de Jesus: quando e como viveu, quem são seus pais, em que cultura viveu, qual era seu entorno social e religioso; nem sequer se trata de conhecer e aceitar sua doutrina.
Nosso seguimento está fundamentado no Jesus que encarna o ideal do ser humano querido por Deus, Aquele que nos revela, ao mesmo tempo, quem é Deus e quem é o ser humano. Por isso, a pergunta que devemos responder é: “quê significa Jesus, para mim?” 
É preciso deixar muito claro que não se pode responder a essa pergunta se não nos perguntamos ao mesmo tempo: “quem sou eu?” . O encontro com a identidade de Jesus desvela nossa própria identidade. 
Na realidade, a pergunta pela identidade é a mais importante de todas aquelas que podemos nos fazer: “Quem sou eu?” A rigor, essa é a primeira e essencial pergunta. A resposta adequada à mesma nos liberta da ignorância, da confusão e do sofrimento. Faz-nos livres e nos possibilita viver na luz.
Porque o objetivo de nossa vida não pode ser outro que o de viver o que somos. E isso não é algo que devemos “alcançar”, “conseguir” ou “conquistar”..., mas, simplesmente, reconhecer. Trata-se de cair na conta ou compreender quem somos. Ao compreender isso, emerge a plenitude, a sabedoria e a alegria.
 Dito de outro modo: a causa de muitos sofrimentos existenciais não é outra que a ignorância ou inconsciência de nossa identidade profunda. O grande místico cristão do séc. XIII, Mestre Eckhart, repetia essa expressão contundente: “Meu solo e o de Deus são o mesmo”.
 Em outras palavras: a Rocha é o divino que nos habita. No caminho do Seguimento de Jesus vamos tirando os véus que bloqueiam e obscurecem nossa visão, permitindo que aflore resplandecente nossa radiante identidade. 

No evangelho de hoje, Jesus revela sua identidade (“Messias, o Filho do Deus vivo”) e, ao mesmo tempo, desvela a identidade de Pedro: “Tu és “petros” (pedregulho) e sobre esta “petra”(rocha) edificarei minha igreja”. Pedro se torna rocha firme (“petra”) quando se apoia na identidade de Jesus (a verdadeira Rocha).
 Pedro, que era “petros” (pedra de tropeço no caminho), foi sendo transformado, através da identificação com Jesus, em “petra”, rocha firme da primitiva comunidade cristã. Dessa forma, o Simão que era “petros”/pedra se converte em “Petra”/rocha firme, porque o mestre desvelou a nobreza que estava escondida no coração dele, ou seja, sua verdadeira identidade sobre a qual o mesmo Jesus iria edificar sua igreja.
 Todo ser humano possui dentro de si uma profundidade que é o seu mistério íntimo e pessoal; trata-se do “EU original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside o lado mais positivo da pessoa. É aqui onde a pessoa encontra a sua identidade pessoal; trata-se do CORAÇÃO,  da dimensão mais verdadeira de si, da sede das decisões vitais, lugar das riquezas pessoais, onde vive o melhor de si mesma, onde se encontram os dinamismos do seu crescimento, de onde parte as suas aspirações e desejos fundamentais, onde percebe as dimensões do Absoluto e do Infinito da sua vida. 
O próprio ser é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes da luta pela vida. Com confiança em si e na rocha do próprio interior todas as forças vitais se acham disponíveis para crescer dia-a-dia, para a pessoa se tornar aquilo que originalmente é chamada a ser.
Descobrir a própria identidade pessoal é situar-se na linha da orientação e sentido da vida. A pessoa deve ter a capacidade de voltar sobre si mesma e perceber por onde está sendo conduzida e porquê. Concretamente, isso pressupõe uma atitude de atenção e escuta que permitem à pessoa situar-se diante do “para onde” e “para quê”,  diante da motivação básica do viver e do agir, diante da “intenção”  com que faz as coisas...

“Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. Aí se pode encontrar o sentido de tudo aquilo que é, o porquê do que se faz, se espera, busca e deseja.
 “Descobrir a si mesmo” é descobrir que no próprio interior há um movimento infinito de construção de si, de identidade em expansão... que se torna possível graças a um constante arrancar-se do imobilismo e da paralisia existencial que impedem o fluxo da vida.
        Nossa existência não pode ser de anonimato e indefinição. Ela exige identidade clara e bem definida. Normalmente confunde-se a identidade com certas “marcas distintivas”: o nome, a profissão, a posição social, política ou religiosa, a função...
 A identidade, no entanto, é dinâmica, histórica, fecunda, aberta ao desconhecido, aventureira...; ela é lugar de expansão e de manifestação da livre circulação do impulso vital, que faz de cada ser humano um “sopro divino vivo”.
 Esse movimento não permite mais que se responda à pergunta: “Quem sou eu?”, pois o ser humano não é, ele se “torna”. O ser humano é um contínuo “tornar-se”, um “vir-a-ser”, um “ek-sistir”, capacidade de ir além de si e adiante de si, no movimento de infinita transcendência.
Só transcende quem se aproxima da própria interioridade, do próprio coração.
 Ter identidade é viver em contato com as raízes que nos sustentam. Em contato com a fonte e na viagem para dentro, clareia-se a visão de nós mesmos, da nossa originalidade e dignidade. Há uma força de gravidade que nos atrai progressivamente para o mais profundo de nós mesmos, onde Deus nos espera e nos acolhe, e onde encontraremos a nossa própria identidade e a verdadeira paz.

“Que eu me conheça e que te conheça, Senhor! Quantas riquezas entesoura o homem em seu interior! Mas de que lhe servem, se não se sondam e investigam” (S. Agostinho).
 De “petros” a “petra”: esse é o desvelamento que acontece em todo seguidor de Jesus quando escuta e vive sua Palavra, proclamada no Sermão da Montanha.
Nossa identidade profunda é constituída pela fragilidade/petros e pela fortaleza/petra. Só no encontro com Aquele que é a Rocha firme é que transparece a “petra” que está oculta em nosso interior. 
Texto bíblico:   Mt 16,13-19 
                                                                                             Na oração: A oração é o caminho interior que faz a pessoa chegar até o próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo da pessoa, mas o mesmo Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundancia, onde a pessoa “mergulha” no silêncio à escuta de todo o seu ser.
Através da oração a pessoa desce a uma dimensão mais profunda e assim chega à corrente subterrânea.
Aqui ela experimenta a unidade  de seu ser.
Coloque-se diante da verdade de Deus, na verdade de si mesmo:
- que resposta você daria, agora, se um repórter lhe entrevistasse e lhe perguntasse: “quem é você?”
- o que você colocaria na sua carteira de identidade que lhe diferenciasse de todas as outras pessoas? Quais seriam os seus sinais digitais mais originais? Quais os seus sinais digitais divinos? (as “marcas” de Deus);
- o que em você é “rocha” consistente, fundamento inabalável?

Pe. Adroaldo Palaoro sj

domingo, 29 de abril de 2018


“Se trata de permanecer com o Senhor para encontrar a coragem de sair de nós mesmos, de nossas comodidades, de nossos espaços restritos e protegidos, para entramos no mar aberto das necessidades dos outros e dar amplo respiro ao nosso testemunho cristão no mundo”.
“Essa coragem de entrar nas necessidades dos outro, nasce da fé no Senhor ressuscitado e da certeza de que o seu Espírito acompanha a nossa história”.
Nesse sentido, afirmou que “um dos frutos mais maduros que brota da comunhão com Cristo é, de fato, o compromisso de caridade para com o próximo, amando os irmãos com abnegação de si mesmo, até as últimas consequências, como Jesus nos amou”.
Do mesmo modo, assinalou que “o dinamismo da caridade do crente não é resultado de estratégias, não nasce de solicitações externas, de instâncias sociais ou ideológicas, mas do encontro com Jesus e do permanecer em Jesus”. Papa Francisco