ESPERAS
CONSTRUTIVAS
O texto do evangelho deste domingo faz parte de um amplo contexto, que começou no domingo passado com a petição de alguém a Jesus: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo”. A partir daí, Lucas revela uma longa conversação de Jesus com os discípulos e toca diversos temas de difícil harmonização. Naturalmente se trata de pensamentos dispersos que o evangelista organiza à sua maneira para ir aclarando as exigências de Jesus, na formação do seu discipulado.
No
domingo passado, Jesus nos pedia para
não colocar nossa confiança nas riquezas; hoje, Ele nos diz em quem devemos confiar para que nossa vida
seja autêntica. Confiadamente, é preciso ativar todos os recursos de nosso ser,
conscientes que Deus atua em nosso interior, e que só através da sintonia com
essa presença interna nossa vida avança, amadurece e se plenifica. Nosso Deus
não é o “Deus todo-poderoso” distante, mas o fundamento de nossa vida: afinal,
somos morada do Deus sempre surpreendente.
A
condição humana pode ser definida em termos de “espera radical”.
O
nosso coração está habitado por “esperas”
de todo gênero. São tantas as esperas na
vida humana!
Está todo mundo esperando. É através das esperas
que nos fazemos humanos.
Somos feitos disso: desejo, súplica, anseio,
abertura, busca, esperança...
A espera está
ligada ao verbo “esperançar”:
espera ativa, aberta ao futuro imprevisível, ao novo plenificante...; ela cria
o espaço vital que permite a realização do possível.
Quem espera faz-se disponível, acolhedor, abre
espaço para o mistério do outro que lhe vem ao encontro; quem espera, acolhe o
diferente. Os intolerantes e preconceituosos não esperam nada: amargam a vida
no fechamento, no dogmatismo e no moralismo.
Esperar é passar do “tempo
fechado” ao “tempo aberto”, da fugacidade do “ter” à plenitude do “ser”, do
“lugar estreito” ao “lugar amplo”, do “medo paralisante” à “coragem
criativa”...
Durante a espera, a imaginação trabalha e cria mil
momentos insuperavelmente felizes.
E quando acontece o encontro entre o desejo e a
realização, entre a espera e o esperado, entre o vazio e aquilo que plenifica,
explode uma alegria incontida. Uma mistura de festa com ternura e boas emoções
solidificam esta certeza: valeu a pena esperar!
A vida que é feita de tantas esperas, também é “esperada”. Somos
continuamente tentados a pensar que somente nós esperamos e esquecer que também
Deus nos espera. A espera divina
é paciente, compreensiva e compassiva.
Em nossas esperas, somos ansiosos e impacientes;
fazemos da espera um
tempo “em branco”, vivendo como se nada estivesse para acontecer, mergulhados
no tempo rotineiro, sem abertura à surpresa.
Não sabemos esperar: basta ir às salas de
esperas dos hospitais e consultórios para comprovar como as pessoas se
desesperam porque não lhe atendem à hora marcada. Perdemos a paciência porque
pretendemos que tudo seja imediato e a nosso gosto. Não suportamos uma
contradição.
O evangelho deste domingo pode ser uma boa
oportunidade para recordar isto. Exercitar-se na arte de esperar com paciência.
Desejar, dar asas à imaginação sobre aquele que vai chegar, sem que esteja em
nossa mão adiantar ou controlar sua chegada.
Deus, pelo contrário, nos espera
incansavelmente. Por isso se “humanizou”. Não nos esperou com prepotência,
tampouco com soberba. Esperou na humildade, no húmus da vida, afundando os pés
na nossa existência.
Mas Deus não precisa vir de nenhuma parte. Ele
está chamando sempre, mas a partir de dentro de cada um de nós; é a partir de
dentro que Ele se faz visível em nossas relações com os outros.
Somos nós que projetamos Deus fora e distante de
nós, que nos ameaça com prêmios e castigos, que aparece de surpresa para nos
pegar em flagra. O medo de Deus brota quando o imaginamos fora de nós. “Deus de
fora” é o Deus idealizado, que alimenta medo, ameaça com inferno, que castiga.
No evangelho deste domingo, Jesus revela “Deus
em saída” até o ser humano e des-vela o ser humano em saída até Deus. E o
encontro entre ambos é o que o Evangelho propõe. O encontro de pessoas que se
esperavam: como nos aeroportos-rodoviárias, desejando a chegada do(a) amigo(a);
ou nas salas de urgências dos hospitais desejando saber a situação do enfermo
familiar.
Essas são esperas autênticas: desejantes,
emocionantes, inocentes... porque esperam uma pessoa.
Essa deve ser a disposição de uma “Igreja em
saída” e que não aguarda em uma sala de espera.
O decisivo é entrar em sintonia com o Deus
presente em nós; “esperar”
significa estar desperto para conectar-nos com essa presença, sempre nova e
sempre cheia de surpresa. Deus, ao mesmo tempo, está sempre presente e sempre
chegando de maneira surpreendente. Ele é dom e pura gratuidade. Aqui não há
mais lugar para o medo, a culpa, a angústia. Quem entra em sintonia com Ele e
se deixa conduzir por Ele não atua por mérito, mas por pura gratuidade.
O evangelho de hoje, através de parábolas, nos
apresenta alguém que não vive a relação com Deus internamente. O que acontece
com ele? As consequências são funestas, provocadas não por Deus, mas pela
pessoa mesma: irresponsabilidade no serviço, violência com os outros,
auto-agressão, partindo-se ao meio... Uma experiência infernal.
Um cristão é uma pessoa que vive em “estado de espera”.
O importante é isto, o “estado”, o processo, a continuidade, o estar
sempre a tempo,
sempre alerta, sempre preparado. A vida
inteira se converte numa contínua espera: o equilíbrio, o
contato, a liberdade, a generosidade, cada nervo sintonizado, cada músculo em
forma. E assim entramos na vida e enfrentamos mil situações.
Cada pequeno encontro é uma satisfação em si
mesma e uma preparação para a seguinte. Sempre avante. Avanço que pode ser
mudado de direção a cada instante.
“Não morras na sala de espera” (Hervey Cox). As
“salas de espera do
espírito” estão cheias de pessoas que simplesmente estão ali,
ali moram e permanecem, ali vivem e morrem. O fato de já estar na “sala
de espera”
lhes dá a impressão de que já fizeram alguma coisa, já começaram a viagem.
As esperas têm
rosto de criatividade, de itinerância, de abertura ao diferente. Elas põem em
ação nossos melhores recursos internos; elas alimentam uma contínua atitude de
busca.
Só assim o coração estará mais preparado para a
chegada do Momento cume, quando deixaremos “Deus ser Deus” na nossa morada
interior.
Para meditar na oração:
Você é um impaciente? Não suporta esperar a fila
no cinema? Fica nervoso quando o ônibus atrasa mais de cinco minutos? Espera
que lhe respondam as mensagens de WhatsApp em questão de segundos? Ou quando
alguém chega um pouco atrasado no encontro marcado?...
E, no entanto, você sabe que o importante requer
seu tempo, que os bons pratos são cozidos a fogo lento.
A paciência não é uma palavra da moda hoje em
dia. E talvez por isso é das mais necessárias. A paciência supõe esperar e
respeitar os tempos. Supõe desejar a chegada do outro e não ter mais que fazer
a não ser esperar. Desejar e esperar.
- Como você vive suas “esperas cotidianas?”
Os nossos antepassados, na fé,
correram enormes riscos; eles confiaram na Palavra de Deus que desorienta e que
desinstala. Eles não tiveram medo de partir para o estrangeiro, de mudar seus
hábitos e de se colocar a caminho por estradas ainda não trilhadas, por
caminhos inexplorados. Ao seu exemplo, podemos não fazer o mesmo?Cada pequeno encontro é uma satisfação em si mesma
e uma preparação para a seguinte. Nossos encontros, se vividos em
plenitude, nos preparam para o grande encontro face a face com o
Criador e Senhor.
Não percamos a chance de sempre sermos bons.
2ª leitura: Hb 11, 1-2.8-19
Evangelho: Lc 12, 32-48
Evangelho: Lc 12, 32-48
Eis o
texto.
Nós continuamos no caminho que
leva para Jerusalém, com Cristo e, no caminho, somos interpelados
pela Palavra de Deus que nos questiona sobre a qualidade da nossa fé. Onde
estamos como cristãos e cristãs? Como crentes? Como lideranças na Igreja? A
carta aos Hebreus, da segunda leitura de hoje, nos recorda que: “A
fé é um modo de já possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer
realidades que não se veem” (Hb 11, 1). Estamos convencidos disso? Na carta
aos Romanos, Paulo chega inclusive a nos convidar
a “esperar contra toda a esperança” (Rm 4, 18). E, portanto, quando olhamos
para a Igreja de hoje, a Igreja que somos e que formamos, podemos nos perguntar
se não estamos em pane, em falta de fé, porque a nossa Igreja não se arrisca
mais; ela se assenta sobre seus dogmas e não avança mais nos caminhos do
Evangelho, cujos caminhos ainda não estão demarcados ou previamente traçados.
Felizmente, o Papa Francisco traz um pouco de frescor à nossa
Igreja. Ele nos ensina que o medo, a certeza da fé e o autoritarismo abusivo
são freios no caminho da vida cristã.
1. O medo
O Cristo do evangelho de Lucas diz
aos seus discípulos: “Não tenha medo, pequeno rebanho, porque o Pai de vocês
tem prazer em dar-lhes o Reino” (Lc 12, 32). Infelizmente, esse versículo foi,
muitas vezes, mal interpretado: uma certa direita religiosa que acredita ter a
verdade, porque faz parte do pequeno rebanho, do pequeno resto de Israel,
e que impõe sua verdade mesmo quando permanece sozinha para crer nisso. Eu
retorno ao Evangelho: o que Lucas nos diz é uma promessa que
nos é feita. Prometer é dizer que será dado. É dar sua palavra, retardando o
momento do dom efetivo. É confiar no outro, e convidá-lo para a confiança
recíproca.
É isso que nos recorda o autor da
carta aos Hebreus, quando escreve: “Pela fé, Abraão,
chamado por Deus, obedeceu e partiu para um lugar que deveria receber como
herança. E partiu sem saber para onde” (Hb 11, 8). Mas mais do que isso, diz a
carta aos Hebreus, falando de Abraão, de Sara,
de Isaac e de Jacó: “Todos eles morreram na fé.
Não conseguiram a realização das promessas, mas só as viram e saudaram de
longe: e confessaram que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Hb 11,
13). Isso quer dizer que os nossos antepassados, na fé, correram enormes
riscos; eles confiaram na Palavra de Deus que desorienta e que desinstala. Eles
não tiveram medo de partir para o estrangeiro, de mudar seus hábitos e de se
colocar a caminho por estradas ainda não trilhadas, por caminhos inexplorados.
Ao seu exemplo, podemos não fazer o mesmo?
2. A
certeza da fé
A fé nunca pode ser uma certeza.
A única certeza que temos é não ter nunca certeza de nada. Doris
Lussier dizia: “Eu não disse: eu sei; eu disse: eu creio. Crer não é
saber. Eu saberei quando verei, como vocês outros. Se eu tenho que saber... E
então, depois de tudo, como eu disse um dia a um amigo que é descrente: tu
sabes, as nossas respectivas opiniões sobre os mistérios do além não tem grande
importância. O que nós cremos ou o que nós não cremos, isso não muda
absolutamente nada a verdade da realidade: o que é, é... e o que não é, não é,
um ponto, é tudo. E temos de conviver com isso”. Doris Lussier descrevia
sua fé da seguinte maneira: “Eu só tenho uma pequeníssima fé natural, frágil,
vacilante, resmungona e sempre inquieta. Uma fé que se parece bem mais a uma
esperança que a uma certeza”. E a esperança é a fé no seu melhor, dizia Charles
Péguy, porque a esperança nos faz crer que amanhã será melhor, quando hoje
tudo está mal. Eis a maravilha da esperança!
É a esperança que nos permite
“estar com os rins cingidos e as lâmpadas acesas” (Lc 12, 35). Porque, para
esperar o senhor voltar das núpcias (Lc 12, 36), é preciso saber esperar. Se
estivermos certos de seu retorno, da data e da hora em que chegará, não
precisamos mais esperar; saberemos exatamente como será seu retorno. É por isso
que o evangelista Lucas formula esta bem-aventurança: “Felizes
dos empregados que o senhor encontra acordados quando chega. Eu garanto a
vocês: ele mesmo se cingirá, os fará sentar à mesa, e, passando, os servirá”
(Lc 12, 37). Para vigiar, basta esperar; caso contrário, para que serve vigiar?
A certeza é o que há de mais prejudicial à fé, porque a certeza acaba por ter
razão da esperança.
3. O
autoritarismo abusivo
Lucas escreve: “Então Pedro disse
a Jesus: ‘Senhor, estás contando essa parábola só para nós, ou para todos?” (Lc
12, 41). Por meio de outra parábola, o evangelho parece dizer que os primeiros
envolvidos são justamente aqueles que exercem uma responsabilidade dentro da
Igreja; com a questão de Pedro, o Senhor ressuscitado, mestre da
Igreja, interpela todos aqueles que têm por missão dar o grão da Palavra ao
pequeno rebanho. Sobre o administrador fiel e sensato, que o senhor, na sua
chegada, encontrará em seu trabalho, diz: “Em verdade, eu digo a vocês: o senhor
lhes confiará a administração de todos os seus bens” (Lc 12, 44). Mas se os
responsáveis pela Igreja sofrem do autoritarismo abusivo e se metem a rejeitar,
condenar, marginalizar e excluir as mulheres e os homens que lhes são
confiados, o mestre lhes tirará todas as responsabilidades: “Por isso eu lhes
afirmo: o Reino de Deus será tirado de vocês, e será entregue a uma nação que
produzirá seus frutos” (Mt 21, 43). Quanto mais se é responsável na Igreja,
mais se deve produzir e dar os frutos: “A quem muito foi dado, muito será
pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido” (Lc 12, 48b).
Para finalizar, gostaria de
compartilhar com vocês a bela reflexão do exegeta francês Jean
Debruynne sobre o evangelho de hoje: Um coração em desejo! “Sejam como
pessoas que esperam... Mas, quem ainda pode ter tempo para esperar? Por acaso,
o tempo não é dinheiro, e, atualmente, não é o tempo o item mais caro? Não são
os prazos os mais ruinosos? Está na hora de não mais confundir espera com
impaciência. A espera do Reino de Deus não é aquela de esperar o trem ou o
avião partir. A espera do Reino de Deus é um coração em desejo e não o medo de
se atrasar. Aquele que espera é aquele que ainda encontra no fundo de si um
pouquinho de esperança acesa”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário